"Estou no fluxo há 29 anos", conta Adailton Ferreira de Souza, de 45 anos, possivelmente um dos frequentadores mais antigos da Cracolândia da Luz. Ele passa o dia sobre um cobertor na Alameda Cleveland, ao lado da mulher, Otaviana Moreira Campos, de 46, grávida de 5 meses. "Nunca fui ao hospital, nunca fiz exame, nada. O pessoal até chama, mas eu não sinto dor no corpo, dor de cabeça, nunca desmaiei, nunca tive tontura. Não preciso, estou bem de saúde", diz ele.
Coordenado pelo psiquiatra Marcelo Ribeiro e pela psicóloga Clarice Madruga, ambos do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Estado da Saúde, o censo ouviu 107 pessoas entre e maio e junho do ano passado. O resultado mostra também que 68% dos dependentes vivem nas ruas, 54% têm filhos menores de idade, 69% estão à procura de ajuda e 31% já sofreram ao menos uma overdose na vida.
"É a primeira vez que se faz um levantamento sociodemográfico da Cracolândia. Saber o perfil das pessoas que frequentam a área é essencial para operacionalizar melhor nossas ações", diz Ribeiro, que é diretor do Cratod.
"A pesquisa mostra que mais da metade
(dos usuários)
, 56%, está disposta a largar o crack. É um índice alto, que me surpreendeu. Temos de dar respostas a essas pessoas", diz Clarice. Para Ribeiro, a responsabilidade do poder público aumenta. "Com o censo, passamos a saber de fato o que sempre imaginamos de forma empírica. O crack não mata sozinho."
Perfil.
No universo dos dependentes que formam a Cracolândia, 79,4% são homens, 16,8%, mulheres, e 3,7% se declaram transexuais. A maioria não trabalha, passou a morar nas ruas em função do vício, não terminou o ensino fundamental e tem origem no Estado - 42% são da capital.
Para o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, os dados levantados pela pesquisa indicam que as políticas públicas falharam, apesar dos recursos estaduais e municipais empregados nos últimos anos. E a pesquisa só reafirma a necessidade de se aprimorar as abordagens de agentes sociais. "O novo programa que estamos desenhando em parceria com a Prefeitura
(Redenção)
vai focar neste aspecto.
O Estado de S. Paulo..