São Paulo, 24 - Com uma vasta experiência em resolver conflitos, como o de ruralistas e ambientalistas, o biólogo Roberto Waack assumiu talvez o maior desafio de sua carreira: lidar com o "um ano depois" do maior acidente ambiental do Brasil, o rompimento da barragem de lama da Samarco. Waack, de 56 anos, é o presidente da Fundação Renova, organização independente criada para implementar os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões impactadas pelo rompimento da barragem.
O acidente, que completa um ano em 5 de novembro, deixou 18 mortos, um desaparecido e um rastro de destruição de Mariana (MG), onde ficava a barragem do Fundão, até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo. A fundação vai gerir R$ 11 bilhões com a missão de recuperar e compensar comunidades e recursos ambientais nos próximos dez anos. Veja a seguir trechos da entrevista.
A Fundação Renova assume o trabalho de compensação e restauração quase um ano depois do acidente com quais desafios?
Temos três agendas prioritárias. Uma é emergencial: tem de tirar a lama do rio, terminar a contenção, construir novos diques, continuar a dragagem. Cerca de 1/4 da lama desceu o rio, mas 3/4 ainda estão na região, a até 100 km do local de origem. Tem de dar um destino para ela. Essa é uma frente de engenharia, de curto prazo, que termina no meio do ano que vem.
Qual deles é o mais difícil?
Não me assusta o primeiro, acho que a engenharia vai dar conta. O desafio da governança é monstruoso e acho que é o mais difícil. Mas se der certo vai ser um exemplo emblemático de restauração não só de um desastre causado pelo homem, mas para desastres ambientais que vêm pela frente, que a gente sabe que vai ter.
R$ 11 bilhões serão suficientes para tantas ações?
É o orçamento que temos. A fundação foi criada para garantir que esse recurso vai ser alocado da maneira mais eficiente possível do ponto de vista de custo, de prazo e de tecnologias usadas. Usar tecnologias mais avançadas, sustentáveis, é uma das regras do jogo.
A Samarco teve de adotar várias ações. Qual é a situação que vocês encontraram?
O esforço da Samarco foi emergencial, e emergencial pressupõe coisas que vão dar certo e coisas que não. A partir desse momento, a fundação vai começar a ajustar essas coisas, absorver parte importante dessas ações começar a dar o tom de longo de prazo. Por exemplo, as indenizações. Foi feito um cadastro emergencial, com 8 mil pessoas, foi criado um cartão e essas pessoas começaram a receber o dinheiro, imediatamente. Esse cadastro não é perfeito. Já estamos vendo isso. Muita gente está lá e não devia e há muita gente que devia estar lá e não está. Devemos chegar a 20 mil cadastrados.
Nas semanas após o acidente, centenas, talvez milhares de pessoas comuns, pequenas ONGs foram para a região do Rio Doce dispostas a fazer alguma coisa. A fundação pretende integrar essa mobilização de algum modo?
Acho que toda a história da ruptura da barragem tem um quê de gatilho, de mobilização, de as pessoas falarem: preciso fazer alguma coisa. E isso vai desde jogar pedra na Samarco, na Vale, ou ir lá ajudar a tirar lama, alguma coisa as pessoas sentiram que precisavam fazer. Acho que as pessoas não conseguem mais ignorar. Acho que integrar isso é fundamental. O centro é o indivíduo, a pessoa que sofreu, depois vem o entorno dele, as pequenas organizações que o cercam, como a associação de bairro, a associação de pescador, onde ele participa. O terceiro são as organizações da sociedade civil que estejam envolvidas pela geração de conhecimento.
Quem é
Roberto Waack é biólogo e mestre em economia. Fundador da Amata (empresa de madeira certificada), foi membro dos conselhos do Forest Stewardship Council (FSC), do WWF e do Global Reporting Initiative (GRI) e de empresas dos setores florestal e de agronegócios. É uma das lideranças da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura e presidente da Fundação Renova, que cuidará da restauração do Vale do Rio Doce.