Mato Grosso — Madrugada adentro, duas picapes 4x4 do Ibama percorrem as pequenas estradas de barro do Norte matogrossense.
Depois de horas de expedição, as equipes param na única pousada de Paranorte, distrito do município de Juara. Ao amanhecer na comunidade, os cerca de mil habitantes já estavam alertas quanto à chegada da nuvem de gafanhotos — os fiscais de uniforme verde da autarquia federal. A chegada da fiscalização é o pesadelo de qualquer serraria. O empreendimento é fechado por semanas, enquanto cada tora, cada tábua é medida. Se as medições não estiverem de acordo com a quantidade “virtual” autorizada pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente, o negócio pode ser multado ou até mesmo fechado.
“Isso abre a possibilidade de gerar créditos a mais. A industrialização é sempre imperfeita, eles teriam que devolver os créditos (informar o que não foi aproveitado), mas poucos o fazem”, explica Laurent Micol, do Instituto Centro de Vida (ICV), uma ONG de defesa do meio ambiente que fica em Cuiabá (MT). “Eles sabem que vão passar por inúmeras fiscalizações, então 99% dos toreiros têm os papéis e, por mais que eu estivesse dentro de um centro avançado, não teria como comprovar que é ilegal. Porque saiu de uma cadeia fictícia, mas uma cadeia legal”, pondera o superintendente do Ibama em Mato Grosso, Marcus Keynes.
ESPERANÇA Ele espera que um novo sistema de rastreamento e monitoramento, o Sinaflor, que prevê uma guia única para toda a cadeia de custódia da madeira, da origem à exportação, possa evitar casos como o descoberto em Mato Grosso. O sistema ajudaria a evitar fraudes como a já verificada pela equipe, em que uma quantidade considerável de madeira, no dia seguinte à da extração autorizada em Mato Grosso, estava no Pará.
Mesmo sendo o segundo maior fornecedor de madeira nativa do Brasil, o Mato Grosso ainda sofre com a ilegalidade, assim como toda a Amazônia. Em 2011, as áreas florestais exploradas ilegalmente no estado somaram 47% do total, segundo estudo da ONG Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon). Em 2012, o índice foi de 54%. “Se você quiser comprar madeira legal da Amazônia, vai ser muito difícil de verificar essa legalidade.
Desafios para a fiscalização
A redução em 18% do desmatamento anual na Amazônia, divulgado no fim de novembro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não é uma boa notícia. Foram 4,8 mil km² de terreno devastado entre agosto de 2012 e julho de 2013, o equivalente a 83% da área do Distrito Federal. Embora seja o segundo menor índice desde 1988, o número revela que a cobiça sobre as terras que abrigam a imponente floresta continua desafiando sistemas de monitoramento cada vez mais eficazes.
Tradicionalmente vistos como principais responsáveis pelo corte raso da floresta, os madeireiros são apenas a ponta do problema. “Existe um histórico de pensar o desmatamento dentro de uma lógica: primeiro vêm os madeireiros, acabam com a madeira com bom potencial, e depois vem a agricultura e a pecuária dando um uso para essas áreas”, explica Julio Bachega, engenheiro florestal e ex-secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso. “Eu não penso assim. Na verdade, é o inverso: a agricultura avançando, a pecuária avançando, e vai sendo aproveitado o que dá de madeira.”
Para o ex-secretário, que não acredita em “um único vilão”, o desmatamento é inerente ao desenvolvimento, só que deveria ser controlado. “Mas a gente vive numa democracia que conserta tudo com lei — mas não a cumpre. Quem cumpriu o Código Florestal de 1965? Hoje, aquelas áreas que alguns preservaram e fizeram o manejo sustentável não valem nada se comparadas a uma área de soja.”
“A ação do Estado não tem capacidade de acompanhar a velocidade do capital”, afirma o procurador de Meio Ambiente do estado, Luiz Alberto Scaloppe. “Quem avança não é o índio, não é o posseiro, é o capital.
*O repórter viajou a convite da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi).