"Este homem está comendo o que sobrou do jantar de ontem", mostrava um africano, ao meio-dia de sexta-feira, dia 15, apontando para um cidadão de Gana que há um mês está em busca de vida nova no Brasil. Na segunda-feira, dia 18, e na quinta-feira, dia 21, a situação permanecia a mesma, quando o Estado voltou ao local.
Ao lado do colega, John Baidoo, também ganês, igualmente se alimentava de uma quentinha da véspera. O mais desesperado do grupo era Tahiru Funeri. Indignado, ele criticava a falta de higiene no abrigo. E apontava para um rapaz que, segundo ele, estava gripado e não tinha acesso a medicamentos. "Não há ventilação no dormitório.
Na semana passada, os imigrantes continuavam recebendo somente o jantar, que é fornecido pela Prefeitura de São Paulo. O almoço e o café da manhã que, quando estourou a crise da imigração vinda do Acre, em abril, tinham ficado a cargo da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, por meio dos restaurantes Bom Prato, foram cortados depois de 60 dias. O Estado forneceu as refeições de 29 de abril ao dia 30 de junho.
Disputa
A tensão entre os imigrantes é crescente. No mesmo prédio estão abrigados haitianos, que falam francês, e africanos que falam inglês. Na manhã de segunda-feira, segundo dados da Prefeitura, havia cerca de 200 pessoas no abrigo, mas o espaço já registrou até 300 acampados dormindo em colchonetes no chão. No fim da manhã, continuava a chegar gente ao alojamento.
Funcionando em caráter emergencial, o abrigo do Glicério não tem banheiros adequados. Nem cozinha. O sanitário masculino do mezanino, no fundo do galpão escuro e sem ventilação mecânica, está quebrado. Os homens são obrigados a se aliviar em garrafas PET. As embalagens de refrigerantes e água servem de penicos, que ficam embaixo das camas - ou são colocadas, cheias, nos cantos do banheiro. O cheiro é forte. Africanos protestam, falando inglês, acusando haitianos - que se defendem, em francês.
Sujeira
Água de esgoto escorre pelo chão do local, que é usado também como recepção, varal de roupas, praça de sol e sala de espera. Dezenas de pessoas transitavam por ali, até mesmo os recém-chegados com suas malas. Uma limpeza havia sido feita nos banheiros, mas somente com água. Não havia desinfetante disponível para a higiene do local.
As precárias condições de higiene do abrigo agravam a tensão do difícil convívio diário dessas dezenas de pessoas de nacionalidades, hábitos e costumes diferentes, que passam os dias sem ocupação, dependentes da burocracia na documentação para conseguir trabalho.
Para Tahiru Funeri, ganense que se diz habilitado para trabalhar como "butcher" (açougueiro), a falta de comida no abrigo e a demora no atendimento da documentação complicam o drama. Ele reclama que o Brasil oferece privilégios aos haitianos, enquanto o tratamento com os africanos é mais demorado. "Os haitianos recebem os documentos rapidamente. Os africanos têm de aguardar mais de mês", emenda outro homem.