Jornal Estado de Minas

Carvalho: 'Precisamos criar convivência com rolezinhos'

Agência Estado
Brasília, 20 - Nos últimos dias, o ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, tem acompanhado atentamente a evolução das ações pelo País envolvendo os chamados “rolezinhos”. Em entrevista a blog do portal

Estadão.com

, o ministro diz que é preciso criar uma convivência pacífica entre os meninos que participam dos "rolezinhos" com a sociedade. Mas, ao mesmo tempo, sem que os shoppings tenham prejuízo.

“Se eu falar que tem uma resposta é bobagem”, afirma. “O que fizemos na prática: tentamos emitir sinais. Tanto na fala pública quanto conversando com o Fernando (Haddad). Pedimos para o pessoal conversar com a direção dos shoppings. Também conversamos com alguns governadores já para tentar orientar as polícias para evitar isso que eu falei de jogar gasolina no fogo”, explica Carvalho.

E acrescenta: “Isso está sendo feito para tentar ver se é possível, na medida em que não haja nenhuma radicalização, estabelecer uma certa convivência. Porque se acontecerem vários rolés desses e não houver incidentes graves…um ou outro incidente vai ter. Mas se a gente conseguir fazer uma coisa razoável, em que os shoppings também se preparem com mais gente, com mais cuidado, para a molecada não sentir hostilidade, dá para isso passar. Essa é a minha expectativa. Tentamos trabalhar nessa perspectiva. Mandamos recado aos donos de shoppings e aos governadores para que tentemos trabalhar isso. Para criar um tipo de convivência”, diz.

O ministro reconhece ser legítima a preocupação dos shoppings com eventuais prejuízos. “Já fecharam shoppings. Mas não vão poder fechar sempre porque o prejuízo vai ser muito grande. O ideal terá sido a gente conseguir, sem repressão, dar uma orientada com a molecada, para tentar dizer para o pessoal algo do tipo: olha, vamos fazer em turma aqui”.

Gilberto Carvalho reconhece que tanto essa manifestação quanto a dos protestos que varreram o País em junho do ano passado são fenômenos absolutamente novos e de difícil compreensão. “O que me impressiona, e eu já falo com um olhar quase cansado, é como está tendo novidade”, diz o ministro. “Nós estamos acostumados a lidar com os movimentos tradicionais. A gente fez escola nisso. Uma relação difícil, sempre tensa”, lembra.

“Aí quando pinta junho, houve aquele susto. Aquela dificuldade. Nós procuramos dar uma resposta. Procuramos não definir logo, esperar para ver melhor. Aí, a presidente Dilma Rousseff tomou aquelas iniciativas, que acho que foram boas, de conversar, de lançar os programas. E, por si só, o movimento acabou se exaurindo um pouco até por conta da violência. Quando a violência ressaltou muito, provocou medo e as pessoas recuaram. Ficou praticamente só no Rio e alguma coisa em São Paulo. Aquela continuidade muito localizada na questão do Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral e aquela ação dos Black Blocs, mais clássica, mais dura. Nós nem entendemos aquilo direito, já surge mais uma novidade. Para mim, o fato de ter essas novidades significa exatamente que o processo de transformação da sociedade brasileira é maior, mais profundo, do que nos damos conta”, avalia.

Na avaliação de Carvalho, a mobilidade social ocorrida no País nos últimos anos contribui para a compreensão do fenômeno dos "rolezinhos". “Essa molecada da periferia, de repente, viu a possibilidade de ir para o ProUni, de ter a Escola Técnica próxima de casa, tudo isso foi mexendo. Além disso, e aí é um pouco mais complexo, o nosso modelo estimula o consumo. Um erro nosso. Ao invés de estimular o transporte coletivo, incentivamos a comprar um carro. E nós estimulamos isso. Nós que eu digo é o governo isentando IPI. E por que? Porque a indústria automobilística é fundamental. E o modelo de consumo que a minha filha de oito anos vê todos os dias na televisão qual que é? Eu sou feliz se tenho a boneca tal, se eu tenho a não sei que lá Monster High. Essa molecada não é infensa a isso”, explica.

“Então, essa molecada foi comprar o tênis da moda, o chapeuzinho…Você pode ver, os nomes são todos em inglês. E nós acabamos com as praças das cidades. A praça da Matriz não existe mais. Onde se fazia o footing, onde ficavam as moças e os rapazes. Hoje é isso que eles fazem nos shoppings. A gente fazia na juventude indo na Praça da Matriz. Isso acabou. Todo comércio de rua é cada vez mais o do shopping. O “ver vitrine” acabou. Lá em casa, quando eu era novo, em Londrina, era uma liturgia. A gente ia para a missa, domingo à noite, depois saía para comer pastel e a mãe ia ver vitrine com o meu pai. A gente ficava vendo os brinquedos, eles viam os sapatos. Nós criamos as praças públicas de hoje que são os shoppings”, lembra o ministro.

“Então, surge essa molecada, doida pelo consumo, querendo se mostrar e tendo essa atração pelo consumo. Não é um cara politizado. Nem no sentido classista. Essa coisa da desigualdade racial teve porque a polícia bateu e o preconceito ficou evidente. E essa loucura de dar uma liminar. Já parou para pensar? Quer dizer, está vindo um moleque ali e o guarda vai ter que dizer se barra ou não barra? E se pedir a identidade, isso vai dizer o que? E como que ele vai fazer a triagem? Meu filho, por exemplo, anda mais ou menos nesse estilo”, diz.

Para o ministro, o fenômeno também expõe o preconceito social das elites contra os jovens que puderam ascender socialmente. “Aí, acho que emergiu esse problema. Mas o princípio inicial não era esse. Era o de ocupar o espaço e fazer zoada. Ver a namorada e tal. Claro que isso traz um incômodo. Da mesma forma que os aeroportos lotados incomodam a classe média. Da mesmo forma que para eles é estranho certos ambientes serem frequentados agora por essa “gentalha”", avalia.

”Acho muito importante a gente ter a consciência que os shoppings são um incentivo ao consumo. Esses meninos são filhos dos shoppings. Não é que eles não iam aos shoppings. Eles iam de maneira mais individual. Porque aqueles bonés deles foram comprados aonde? Claro, muitos na 25 de março. Mas muitos não. Os tênis Mizuno, Adidas. O que não dá para entender muito é a carga do preconceito que veio forte. Eu sei que é um incômodo, num domingo à tarde para um shopping. Você pode espantar clientela porque aquela zoada faz barulho. As pessoas veem aquele bando de meninos negros e morenos e ficam meio assustadas. É o nosso preconceito. Evidentemente que temos que lidar com esse suposto incômodo. Mas esse incômodo não vai ser tratado adequadamente se não houver diálogo com essa molecada. E fazer algum tipo de acordo. Mas assim como em junho foi possível conversar, se a gente tiver paciência nós vamos achar um jeito de conversar”, conclui.