Jornal Estado de Minas

Em votação que começa hoje, Supremo tende a autorizar aborto de anencéfalos

Ministros iniciam o julgamento sobre a possibilidade de parar a gravidez em caso de má-formação cerebral do feto, já que o bebê não tem chance de sobrevida

Diego Abreu Renata Mariz Paula Filizola

Brasília –
Oito anos depois de a agricultora Severina Maria Leôncio Ferreira, de 34 anos, enfrentar uma longa batalha judicial até ser autorizada a interromper a gravidez de um feto sem cérebro, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente se pronunciará de maneira definitiva sobre a possibilidade de aborto em caso de anencefalia. Dez dos 11 ministros da Suprema Corte se reunirão, às 9h de hoje, em sessão plenária, para julgar uma ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) que pede a descriminalização da antecipação terapêutica do parto de anencéfalos.
A pernambucana Severina estará no plenário do Supremo para acompanhar o julgamento. O caso dela motivou o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) a propor a ação no Supremo, em parceria com a CNTS. Severina soube que o feto que esperava tinha anencefalia durante o terceiro mês de gravidez, mas só obteve a autorização judicial para abortar quatro meses depois.

No julgamento desta quarta-feira, o Supremo deverá liberar a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos por ampla maioria de votos. A decisão será no sentido de que as mulheres que tiverem o diagnóstico confirmado possam abortar sem a necessidade de decisões judiciais. Ministros do STF ouvidos pelo Estado de Minas apostam que não haverá pedido de vista, o que interromperia a análise. A tendência, segundo eles, é de que o julgamento seja concluído ainda hoje ou, no máximo, amanhã. Ontem à noite, o ministro José Antonio Dias Toffoli declarou seu impedimento para participar do julgamento pelo fato de ter atuado no processo quando exercia o cargo de advogado-geral da União.

Em audiências públicas realizadas em 2008, a Suprema Corte ouviu dezenas de especialistas e representantes da sociedade sobre o tema. O então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defendeu ampla liberdade para que as mulheres optassem por interromper a gestação em caso de má-formação cerebral do feto. A posição do governo federal é no sentido de acatar a ação.

A Igreja Católica, por sua vez, sustenta a tese de que ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele embrião, feto ou criança com ou sem anencefalia. “Todos têm direito à vida. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito. Portanto, diante da ética que proíbe a eliminação de um ser humano inocente, não se pode aceitar exceções”, destaca a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em nota.

A tendência é de que os ministros do Supremo afastem o termo aborto do julgamento. A ideia dos magistrados será a de deixar claro que a Corte não estará autorizando o aborto, mas a interrupção de partos em casos em que não há expectativa de vida para o feto.

Liminar

Desde 2004, quando a ação foi protocolada, houve uma mudança grande na composição do STF. Em julho daquele ano, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, concedeu uma liminar permitindo a antecipação do parto de anencéfalos. Três meses depois, porém, o plenário cassou a liminar, justamente quando Severina Maria Leôncio Ferreira esperava para ser submetida ao procedimento. Cinco ministros que participaram das discussões não estão mais no Supremo: Carlos Veloso, Eros Grau, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e Ellen Gracie se aposentaram.

Mesmo assim, o jurista Luís Roberto Barroso, que fará a sustentação oral em nome da CNTS, acredita que a discussão está amadurecida entre os ministros novatos. “Ninguém desconhece a questão central desse julgamento, que foi amplamente discutida, houve audiência pública, relatórios minuciosos, acho que o Supremo tem total condição de votar”, afirma.

Análise baseada na medicina


Brasília – O ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação que será julgada hoje, sustentará que o diagnóstico da anencefalia é 100% seguro. Ele será o primeiro a votar no julgamento, logo depois das sustentações orais do advogado Luís Roberto Barroso, que representa a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), e do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ambos favoráveis à interrupção da gestação. “No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%”, destacou Marco Aurélio em 2004, na liminar que autorizou o aborto para esses casos.

Para o ministro Carlos Ayres Britto, o julgamento será um divisor de águas para o tribunal. “A previsão é de um julgamento inusitado. É um tema grandioso pelo seu impacto até no modo de conceber a própria vida. O julgamento será cheio de ricos debates, reflexões e de intuições também, porque o sentimento conta na hora de equacionar os fatos”, avalia.

Há ministros, porém, que consideram o momento inadequado para o Supremo julgar o caso. Um magistrado que pediu para não ser identificado disse que a Corte estará legislando. Ele observou que há projetos em tramitação no Congresso que tratam do tema. (D.A/Colaborou Karla Correia)