O episódio de extrema violência contra as garotas expõe a fragilidade do sistema de segurança pública do Entorno, onde, entre domingo e segunda-feira, foram registradas nove mortes, todas por arma de fogo. Nos primeiros oito meses de 2011, ocorreram 191 homicídios na região.
Enquanto os governos de Brasília e Goiás discutem o que fazer para diminuir os índices de criminalidade nas regiões limítrofes com o DF (leia reportagem na página 20), traficantes expandem seus negócios de forma cada vez mais rápida. Uma volta pelas vielas da Vila União comprova que o comércio de entorpecentes ocorre nas barbas do Estado. Vários grupos suspeitos em esquinas observam a movimentação de carros de polícia. Segundo moradores, são eles os responsáveis por vender crack e maconha no local.
O caos no Entorno é agravado pela greve da Polícia Civil do Estado, que completa 27 dias nesta quarta-feira. Com os agentes de braços cruzados, quem saiu à caça do trio que tentou tirar a vida das duas adolescentes foi a Polícia Militar, cuja função é fazer patrulhamento ostensivo, mas até o fechamento desta edição os suspeitos permaneciam foragidos. A tentativa de assassinato das duas adolescentes fez aumentar ainda mais o pânico entre os moradores do Novo Gama. Poucos tomaram coragem para falar com a equipe do Correio. “Dizem que aqui é terra sem lei, mas, na verdade, tem lei, sim. É a lei do crime que impera”, disse um homem, encerrando a conversa com a reportagem na sequência.
Falta de estrutura
Sem estrutura para elucidar crimes graves, policiais goianos assistem bandidos atuarem livremente. Basta circular pelos Ciops do Entorno para entender o porquê de os marginais terem tanta certeza da impunidade. A maioria das unidades fica fechada nos fins de semana e feriados devido à falta de efetivo. É o caso dos Ciops do Lunabel, no Novo Gama; Jardim Ingá, em Luziânia; e o da Cidade Ocidental. Já os que permanecem com as portas abertas funcionam precariamente. O Centro do Céu Azul, por exemplo, chega a ter apenas dois agentes de polícia para registrar todas as ocorrências da população e tomar conta de até seis presos.
Para piorar, parte dos policiais que prestam serviço no lugar em dias não úteis são oriundos de Goiânia (GO). Até a única viatura disponível no Ciops pertence à sede da Polícia Civil, que fica na capital do estado goiano. Sem conhecer a realidade do lugar, os agentes ficam impossibilitados de fazer uma investigação eficiente. “Os plantonistas vêm de Goiânia. Alguns nunca tinham pisado aqui (no Novo Gama). Na verdade, é só para fazer número, porque é impossível fazer uma boa apuração de um crime sem conhecer a comunidade”, disse um policial, que preferiu não ter a identidade revelada.
Atraso
A ocorrência para investigar o crime foi aberta somente ontem. Dos 10 tiros, pelo menos sete atingiram as garotas. Elas não tiveram proteção policial para retornar até suas casas, mesmo tendo colaborado com a polícia.
Efetivo defasado
O Entorno conta hoje com 340 investigadores. Seriam necessários, pelo menos, 700 policiais. De acordo com o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Goiás (Sinpol-GO), Silveira Alves, cada delegacia deveria ter 25 agentes durante o expediente e pelo menos oito nos plantões. A respeito da proteção às duas adolescentes baleadas após prestarem depoimento no Ciops do Céu Azul, Silveira disse que o Entorno não conta com programa específico de proteção a testemunhas. “A Polícia Civil de Goiás não tem condição estrutural de fazer esse tipo de proteção”, ressaltou o presidente.
DEPOIMENTO » Aqui é muito perigoso
"Aqui (Novo Gama) é muito perigoso. Você não vai encontrar alguém que nunca tenha visto um homicídio por aqui. Os traficantes tomaram conta de tudo. A polícia não consegue prender ninguém e, quando aparece, é só para levar ladrão pé de chinelo. Já fui assaltado três vezes no último ano. Quando vou à delegacia registrar ocorrência, eles (os policiais) ficam zombando de mim. É muito ruim saber que não podemos contar com a proteção da polícia, pois eles mesmos falam que não podem fazer nada porque recebem um salário ruim, não tem viatura, não tem arma. O problema é que nós, que pagamos impostos, não temos nada com isso. Enquanto o governo não tomar uma providência, mais pessoas vão continuar levando tiro todo dia. Eu vivo sempre com medo de morrer também." ( comerciante do Novo Gama)