Jornal Estado de Minas

Último recurso: cidadãos questionam prefeituras em sites de reclamação

Depois de esgotar a paciência, população recorre à web para cobrar serviços básicos como coleta de lixo, fiscalização de passeios e operação tapa-buracos, mas prefeituras parecem não se importar com a publicidade negativa gerada na rede

Emerson Campos
Embora o foco dos portais seja em denúncias contra empresas privadas, reclamações contra órgãos públicos têm crescido e são imbatíveis em pelo menos um quesito: a ausência de respostas - Foto: Montagem/Arquivo/D.A Press
Não é preciso muito para perceber que o aposentado Francisco Alexandre Zerlottini, de 65 anos, tem mesmo bons motivos para reclamar: uma rápida caminhada pela Rua Diamantina , no Bairro Lagoinha, Região Nordeste de Belo Horizonte, revela calçadas apertadas, com passeios esburacados e mal conservados, além de motos e carros estacionados num local que deveria servir para os pedestres passarem. Queixa que o levou a procurar, sem sucesso, o atendimento ao cidadão da prefeitura. Sem conseguir nenhuma resposta satisfatória, o aposentado decidiu acessar o site Reclame Aqui, no último dia 8 de setembro, e registrar publicamente sua indignação com a administração da cidade, que ele acusa de omissão.
Assim como Zerlottini, nos últimos três anos, outras 1,7 mil pessoas perderam a paciência com o "caminho convencional" para reclamar e postaram no portal sua indignação contra as prefeituras de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, pedindo coleta de lixo, operação tapa-buracos, poda de árvores, reclamando de multas, barulho dos vizinhos, valor do IPTU, exigindo melhor atendimento na saúde, entre outros. Foi o que fez I.V.C, de 45 anos, moradora da Região Oeste de BH, que procurou o site depois de tentar, sem êxito, conseguir uma ambulância que a levasse até um posto de saúde. No local, ela teria as medidas tiradas para fabricação de uma cadeira de rodas que necessita.

Todas essas reclamações postadas contra as três prefeituras seguem sem nenhuma resposta, o que torna o atendimento oferecido por elas um serviço "não recomendado", de acordo com a classificação automática que é gerada pelo Reclame Aqui. Esse selo significa que as empresas e órgãos citados pelos usuários não prestam um bom serviço segundo critérios como a satisfação do internauta, o tempo das respostas e a média de demandas atendidas.

Importantes aliados dos consumidores e um dos últimos recursos dos cidadãos antes de apelar à Justiça, os sites de reclamação "tiram o sono" dos diretores de grandes e pequenas empresas, ao ranqueá-las segundo o número de queixas feitas pelos internautas e a eficiência do atendimento. Uma publicidade negativa que ninguém quer e que, agora, começa a assombrar também os gestores públicos, que são imbatíveis em pelo menos um quesito: a ausência de respostas – nenhuma das 1,7 mil demandas foi atendida.

O aposentado Francisco Zerlottini e seu instrumento de reclamação: o computador - Foto: Emerson Campos/EM/DA Press"Falando com as paredes"

Francisco Zerlottini conheceu o Reclame Aqui através de uma indicação de seu filho. O aposentado procurou o portal para resolver seus problemas com as ruas do bairro depois de obter sucesso seguindo o mesmo caminho para solucionar uma pendência com a empresa fabricante de seu celular, que não atendia suas reclamações no Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC).

"Já liguei incontáveis vezes para o 'BH não resolve' , também já mandei e-mail para a Regional Nordeste e nada. Eles me perguntam onde estão os buracos, mas até hoje não se dignaram a vir aqui para ver que eles estão nos passeios da rua inteira", relatou o aposentado, justificando sua opção pelo Reclame Aqui. "Eu já tentei de tudo, mas eles não estão nem aí, fico falando com as paredes", completou.  

Apesar da tentativa, o aposentado não teve o mesmo sucesso na web questionando os serviços públicos que conseguiu com as empresas particulares. Até o fechamento desta reportagem, a PBH não havia respondido a demanda de Zerlottini, nem nenhuma outra das 73 que "mofam" aguardando uma resposta no portal.

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que "possui uma equipe responsável pela leitura de cada uma das sugestões e reclamações, por meio de redes sociais, de cada cidadão e encaminha cada uma delas para o setor responsável para que as providências sejam tomadas", mas não citou o caso específico do Reclame Aqui.

Relembre!

Em matéria publicada no Estado de Minas,  no último dia 15 de setembro, a reportagem do Informátic@ testou o atendimento dos órgãos públicos mineiros pelas redes sociais e não conseguiu resposta para uma questão simples . Na ocasião, Jaynne Menezes Tavares, gerente de edição eletrônica da PBH, explicou que o ideal é que as solicitações sejam feitas pelo BH Resolve, o telefone 156 e o SAC web,  serviços de atendimento onde é gerado um número de protocolo, que permite ao cidadão acompanhar o andamento da sua demanda.

Respostas seguirão em branco

Raras, as respostas de prefeituras no Reclame Aqui não aparecerão mais. Através de sua assessoria de comunicação, o grupo responsável pela administração do portal informou que não cadastra mais segmentos públicos e justificou que "o serviço foi abolido" porque estes órgãos "não apresentam relação de consumo". Um desperdício, quando considerado o índice de solução das demandas apresentado pelo site: 72%, com tempo médio de dois dias para a resposta.

Mini-entrevista: palavra do especialista

Em entrevista ao Estado de Minas, o advogado Breno Venâncio Romanini, especialista em direito do consumidor, destacou a importância dos sites de reclamação como instrumento de pressão e lembrou que não é a existência de uma "relação de consumo" que deve guiar o cidadão ao cobrar seus direitos. Confira a entrevista completa.