Um abraço emocionado de quatro dos cinco filhos de Severina Maria da Silva, 44 anos, selou, no início da tarde desta quinta-feira, o novo destino da agricultora caruaruense. A sentença de absolvição que a livrou da condenação pela morte do próprio pai virou mais uma página da dolorosa história de vida da mulher e pôs fim ao polêmico julgamento. Apesar de confessar publicamente e durante a sessão ser a autora intelectual do crime, Severina foi isenta pelo júri.
O caso ganhou repercussão pela gravidade das denúncias. Por quase três décadas, a mulher foi obrigada pelo pai a viver maritalemnte com ele. As agressões sexuais começaram aos 9 anos, com conivência da mãe da garota. Aos 15 anos, Severina teve o primeiro de 12 filhos, a maioria morta por falta de acompanhamento médico ou em conmsequência das agressões físicas do pai (e avô) dos bebês. Apenas cinco crianças, hoje com idades entre 12 e 19 anos, sobreviveram.
Em 2005, quando Severino ameaçou abusar uma das filhas-netas, de apenas 11 anos, Severina resolveu mandar matá-lo. A morte foi encomendada a dois conhecidos de Severina ao preço de R$ 800.
O promotor do Ministério Público de Pernambuco, José Edvaldo da Silva, surpreendeu os presentes pedindo a absolvição da ré, levando-se em conta todos os traumas aos quais Severina foi submetida. "Eu não poderia, nem teria condições éticas, de pedir a condenação desta mulher, quando não se poderia exigir dela outra conduta e quando ela deveria era ser indenizada pelo estado", resumiu o promotor, que evidenciou ainda o fato de que, entre sucessivos estupros e agressões físicas e psicológicas, a acusada foi, de fato, vítima de mais de 5 mil crimes não julgados ou investigados.
O argumento, o mesmo utilizado pela defesa da acusada, foi reforçado pelo fato de Severina já ter procurado as delegacias de Caruaru e Brejo da Madre de Deus cinco vezes, sem sucesso em promover proteção a si mesma ou a seus filhos. Dos sete jurados presentes, quatro eram mulheres, mesmo número atingido para declarar a absolvição de Severina, já que não houve nenhuma manifestação contrária e os demais votos não precisaram ser abertos. De acordo com um dos advogados de defesa, Gilvan Florêncio, a decisão será analisada pelos advogados para verificar a possibilidade de Severina iniciar um novo processo, desta vez contra o estado, em busca de indenização pelos danos sofridos pela vítima, mesmo ela tendo procurado, por várias vezes, proteção policial.
Ao receber o resultado do júri popular, no entanto, Severina não pensava em dinheiro. Agradecia a Deus por tê-la livrado do pesadelo durante os anos de abuso, seguidos por um ano e seis dias reclusa na antiga Colônia Penal Feminina de Garanhuns e pelo tempo em que precisou se defender das acusações, o que consumiu 35 anos de sua vida. "Só quero voltar para minha casa, com meus filhos, e poder trabalhar. Se Deus quiser, minha mãe vai querer voltar a falar comigo e eu vou esperar por ela. Acreditava que me considerariam inocente, mas você tem que estar preparada para tudo, então tinha medo, mas a vida vai ser diferente daqui para frente", resumiu.
Além da própria Severina, apenas a tia dela, irmã do pai da acusada, foi ouvida como testemunha. Otília Maria da Conceição, de 86 anos, revelou que a família sabia da situação, mas que não havia possibilidade de denúncias formais contra Severino. "Ele era muito bruto. Tínhamos medo dele bater ou matar a gente. Ele já batia bastante nela, desde cedo sendo pai, mas também marido", lembrou.
O crime chamou a atenção de toda a sociedade caruaruense, envolvendo faculdades de direito e organizações não governamentais, que passaram a interceder por Severina. Justamente pela comoção, o caso acabou desaforado, sob o argumento de que a imparcialidade do júri poderia ser comprometido e, assim, a questão acabou julgada no Recife, ao contrário do que normalmente é feito (julga-se o caso na cidade em que ele é cometido).
Representante do Centro de Referência da Mulher, a psicóloga Wedja Martins, acompanhou a acusada nas duas cidades, oferecendo suporte para a família durante o processo. "Ninguém é mais vítima nessa história do que a própria Severina, que já tinha um passado de sucessivas tentativas de fuga de casa e suicídio. A situação de vulnerabilidade só mudou quando ela percebeu a aproximação do pai com sua filha e ela não queria que a história dela se repetisse", explica.
Diferentemente de Severina, os dois homens contratados para realizar o crime, já haviam sido julgados anteriormente e acabaram condenados. Edílson Francisco Amorim, o "Galego", que, além da motivação financeira, já tinha problemas pessoais com a vítima, já começou a cumprir 18 anos de prisão no Presídio de Caruaru, junto ao cúmplice, Denisar dos Santos, condenado a 17 anos.
Por Ed Wanderley