Apesar de passar despercebido aos olhos das autoridades, o cenário leva a classe médica a crer que está diante de uma verdadeira bomba-relógio. Estima-se que cerca de 10% das gestantes brasileiras sejam Rh negativo e tenham um bebê Rh positivo. Se na gestação a mãe tem sangramento ou sofre aborto, a medicação é prescrita pelo médico. A situação mais comum é durante o parto, em que a gestante Rh negativo e o filho Rh positivo trocam sangue e a mulher produz anticorpos contra o Rh positivo. Sem a dosagem, o organismo cria uma “memória” contra o Rh positivo e numa futura gravidez em que o bebê seja de tipo sanguíneo positivo, os anticorpos atacam as células e podem levá-lo à morte. “A medicação tem que ser tomada em no máximo 72 horas depois do contato entre os dois tipos de sangue”, alerta o diretor-administrativo da Maternidade Octaviano Neves, José Luiz Verçoza.
Somente na Octaviano Neves, com 500 partos por mês, são necessárias 40 ampolas do medicamentos mensalmente. Segundo Verçoza, a maternidade pediu ajuda à Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), que repassou 40 doses do produto e na quinta-feira restavam apenas sete. “Se está assim no setor privado, imagine no SUS? Entramos em contato com outros setores hospitalares do país e a crise é generalizada. Enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff vem a BH lançar um programa para gestantes com toda pompa”, critica.
A SMSA já repassou doses também à Maternidade Santa Fé, em Santa Tereza, na Região Leste de BH. “Foram 30 ampolas, mas só nos restam nove. É pouco. Dos 300 partos mensais na unidade, 5% precisam do medicamento”, diz o diretor-técnico da Santa Fé, Eduardo Mendes. A incerteza sobre o fim do pesadelo atormenta a Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig). Segundo o diretor de Defesa Profissional da entidade, Carlos Henrique Mascarenhas, também diretor do Departamento de Ginecologia da Associação Médica do estado, um dos laboratórios lhe informou que somente em dezembro a situação será regularizada. “É um absurdo. Já alertamos os médicos que, se o pior ocorrer, eles não serão responsabilizados. Já passou da hora de o Brasil começar a produzir o medicamento.”
Venda proibida
Em nota, a SMSA garantiu que o estoque de BH é suficiente para as sete maternidades públicas da cidade. “Temos recebido pedidos da rede privada e, na medida do possível, a atendemos.” A maior preocupação da Anvisa, que questionou os fabricantes para saber se há mesmo desabastecimento, sem obter retorno imediato, é a venda do medicamento em farmácias e drogarias, que é proibida. Para isso, a agência informou, por meio da assessoria de comunicação, que intensificará a investigação. Já a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES) esclareceu que a distribuição do medicamento não é de sua competência, mas admite problema com os fornecedores.
O que é fator Rh negativo
No pré-natal, o médico conhece o tipo sanguíneo da gestante (A, B, AB ou O). Quem é Rh positivo tem uma proteína chamada antígeno D na superfície dos glóbulos vermelhos. Quem não tem esse antígeno é Rh negativo.
Mãe Rh negativo e bebê Rh positivo
Se a mãe for Rh negativo e o filho Rh positivo, há risco de que o sangue do bebê entrar na corrente sanguínea da mulher na hora do parto, por meio da placenta. O sistema imunológico dela reage contra o antígeno D (proteína do Rh positivo) do sangue bebê, como se ele fosse um "invasor", e começa a produzir anticorpos. O fenômeno é conhecido como "sensibilização". Esse contato entre os dois tipos de sangue não oferece perigo na primeira gravidez, mas compromete uma futura gestação caso a mãe tenha um filho Rh positivo novamente.
Como age a medicação imunoglobulina anti-Rh negativo
Até 72 horas depois do nascimento da criança, os médicos aplicam a injeção de imunoglobulina anti-D ou Rh negativo. A dose é de 300 microgramas e é aplicada de forma intramuscular. Em cerca de 30 minutos, o medicamento atinge a corrente sanguínea da mãe e produz anticorpos capazes de "barrar" a produção de anticorpos da própria gestante contra o Rh positivo do bebê, uma vez que o sangue dos dois entraram em contato. Assim, o organismo perde a "memória imunológica" contra o Rh positivo e, em caso, de uma futura gestação da mulher com filho Rh positivo, o organismo não vai atacar o sangue do bebê. A aplicação deve ser feita em no máximo 72 horas depois do parto – tempo ideal para o organismo conter o ovanço dos anticorpos produzidos pela mãe.
Perigos sem a medicação
Embora não haja risco numa primeira gravidez, se a mulher engravidar novamente e o bebê também for Rh positivo os anticorpos do seu sistema imunológico, sem a imunoglobulina anti-Rh negativo, criam uma mémoria e agem contra o Rh positivo, até mesmo no começo da gestação. Os anticorpos atravessam a placenta e atacam as células do sangue do bebê, provocando anemia, icterícia ou, em casos mais graves, insuficiência cardíaca ou hepática na criança. O filho pode até morrer ou ter lesões cerebrais irreversíveis.
Em outras situações
Não é só depois do parto que o imunoglobulina Rh negativo é indicado. Ele também é usado em caso de aborto, sangramento vaginal e qualquer outra situação em que haja risco do sangue do bebê entrar em contato com o da mãe.