Jornal Estado de Minas

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Publicações enganam ao usar fala de hacker sobre código-fonte para questionar segurança das urnas

Em 17 de agosto de 2023, o hacker Walter Delgatti detalhou ao Congresso Nacional uma reunião que alega ter tido com pessoas ligadas à campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022, na qual teria sido discutida a ideia de usar um código-fonte falso para gerar desconfiança nas urnas eletrônicas. Mas publicações, visualizadas mais de 68 mil vezes nas redes sociais, enganam ao usar esse trecho de sua fala para sugerir que o código-fonte verdadeiro, usado nas eleições, é sujeito a manipulações. O próprio Delgatti, porém, deixa claro que não teve acesso ao código-fonte real.

''Quem tem acesso ao código-fonte consegue que seja apertado um voto e o resultado seja outro', afirma hacker Walter Delgatti à CPMI do 8 de janeiro', diz uma das publicações compartilhadas no X (antes Twitter). O conteúdo circula também no Facebook e no Telegram.





As publicações usam um trecho do depoimento do hacker Walter Delgatti à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investiga a invasão às sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.

No vídeo viral, Delgatti é questionado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, a respeito de uma reunião que Delgatti teria tido em 9 de agosto de 2022 com pessoas ligadas à campanha do então presidente Jair Bolsonaro.

Segundo o relato de Delgatti, uma das ideias sugeridas no encontro foi a de que, no feriado do dia 7 de setembro, o hacker criaria um código-fonte próprio para ser usado em uma urna, que registraria incorretamente o voto digitado.

O código-fonte pode ser definido como o conjunto de arquivos que contém as instruções do que deve ser executado pela urna eletrônica, como explicado pela AFP e pela Justiça Eleitoral.





'A segunda ideia era, no dia 7 de setembro, eles pegariam uma urna emprestada da OAB , acredito, e eu colocasse um aplicativo meu lá e mostrasse à população que é possível apertar um voto e sair outro', disse Delgatti.

Em seguida, o depoente continua:

'O código-fonte da urna, eu faria o meu, não o do TSE , só mostrando que, exemplo, a população vendo que é possível apertar um voto e imprimir outro. (...) E quem tem acesso ao código-fonte antes de compilá-lo, consegue inserir linhas que façam com que seja apertado um voto e o resultado seja outro'.

O trecho viral pode ser conferido no canal da TV Senado no YouTube. A fala de Delgatti começa aproximadamente às 9h58 da manhã (o horário pode ser visto no canto inferior direito da tela):

No próprio trecho viral, porém, Delgatti afirma mais de uma vez que o código-fonte que seria usado no dia 7 de setembro seria de sua autoria, sem relação alguma com o código-fonte verdadeiro, usado pelo TSE: 'Um código-fonte fake, no caso', resume o próprio hacker.





Além de induzirem a uma interpretação equivocada, as publicações virais também omitem o fato de que o código-fonte verdadeiro, usado nas eleições pelo TSE, pode ser examinado antes das eleições por pessoas e instituições, como o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e pesquisadores que representam a sociedade civil.

Depois de examinado, o código-fonte e todos os sistemas usados na eleição são assinados digitalmente em um evento público chamado 'Cerimônia de Assinatura e Lacração dos Sistemas Eleitorais'. Depois disso, se houver qualquer alteração nos códigos, a urna não funciona, como explica a Justiça Eleitoral:

O próprio Delgatti, em seu depoimento, forneceu explicações sobre esse processo quando foi questionado pelo deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).

Ao parlamentar, Delgatti afirmou que, uma vez que o código-fonte usado pelo TSE é lacrado digitalmente e não fica disponível online, seria impossível modificá-lo.

'O senhor conseguiu alterar esse código?', questionou o deputado, ao que Delgatti respondeu:

'Eu não tive acesso a ele, porque o código fica no computador offline. Seria impossível o acesso a ele (...) Nem eu, nem ninguém .'

O AFP Checamos já verificou diversas peças de desinformação sobre os sistemas eleitorais brasileiros (1, 2, 3).





Referências: