Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Mais mortes por COVID nos EUA em 2021 não indicam ineficácia das vacinas


 

Publicações que alegam que, apesar da vacinação em massa, “o período Biden supera em número de mortes o período Trump” foram compartilhadas mais de 600 vezes desde 15 de dezembro de 2021. Mas essa alegação é enganosa. Embora os dados estejam corretos, com mais óbitos por covid-19 registrados neste ano do que em 2020 nos Estados Unidos, especialistas explicaram à AFP que os números refletem a chegada em 2021 da variante delta ao país e o relaxamento de medidas restritivas, assim como o ritmo de vacinação lento e desigual entre os estados.





“Mesmo com vacinação acontecendo em elevados percentuais o período Biden supera em número de mortes o período Trump! ‘EUA Mortes por COVID-19 em 2021 superam o total de 2020’”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter (1, 2), no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram (1, 2).

De acordo com dados atualizados até 20 de dezembro de 2021, os Centros de Controle de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, apontaram que 385.427 pessoas morreram por covid-19 no país em 2020, durante o governo de Donald Trump (2017-2020), enquanto em 20 de dezembro de 2021 esse número era de 418.619, já sob a gestão de Joe Biden, que começou em 20 de janeiro de 2021.

Mas Tara Kirk Sell, acadêmica sênior do Centro Johns Hopkins para Segurança Sanitária, explicou ao Checamos que “uma comparação direta de 2020 a 2021 não faz sentido porque a pandemia realmente não havia começado até a primavera de 2020”.



A primeira morte por covid-19 nos Estados Unidos foi registrada em 1 de março de 2020.

“Esta comparação também não leva em consideração a trajetória da pandemia criada por políticas e perspectivas implementadas desde o início”, acrescentou.

Os Estados Unidos iniciaram a campanha de vacinação em massa contra a covid-19 em 14 de dezembro de 2020. Dados atualizados até 22 de dezembro de 2021, na plataforma Our World in Data, mostram que mais de 61% da população norte-americana encontra-se imunizada com o esquema vacinal completo - as duas doses ou a dose única.

Embora tenham largado na frente, sendo um dos primeiros países a iniciar a vacinação, os Estados Unidos enfrentaram obstáculos no combate à covid-19 e aos seus óbitos.

“A vacinação nos EUA começou em dezembro, e os seus efeitos na redução de mortes só puderam ser notados após uma grande parcela da população americana ter sido imunizada, em especial os mais vulneráveis”, disse ao Checamos Anderson F. Brito, virologista e pesquisador do Instituto Todos pela Saúde, com pós-doutorado na Yale University.



Foi somente em meados de agosto de 2021 que os Estados Unidos conseguiram imunizar ao menos a metade da sua população adulta com o esquema vacinal completo.

O ritmo lento de imunização coincidiu com a rápida propagação da variante delta, detectada em outubro de 2020 na Índia e classificada como uma “variante de preocupação” pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em maio do ano seguinte.

Segundo Sell, “o surgimento de variantes novas e mais contagiosas em 2021” foi um dos problemas para o agravamento da situação da covid-19 nos EUA.

Restrição e mobilidade


Mas, apesar da maior transmissibilidade da delta, Brito ponderou que “em 2020, com a apreensão quanto aos impactos da covid-19, as medidas de distanciamento físico e outras restrições foram muito mais intensas” do que em 2021, quando foi observado um relaxamento desses protocolos.

Para Brito, essa flexibilização “certamente contribuiu para um aumento de mortes, em especial quando tais medidas foram abandonadas durante momentos de alta incidência da doença”.

Os primeiros picos de mortes durante a pandemia de covid-19 nos EUA em 2020 ocorreu em 24 de abril, com 2.243,57 óbitos, e, em 2021, em 13 de janeiro, atingindo a marca de 3.402,86, quando apenas 3,95% da população norte-americana estava vacinada contra o SARS-CoV-2.



No entanto, a flexibilização no país aumentou.

Em julho de 2021, com o avanço da variante delta, o número de pessoas infectadas cresceu 62% em uma semana nos Estados Unidos e no Canadá, segundo dados oficiais recolhidos pela AFP (o aumento foi detectado apenas nos EUA; o Canadá registrou queda). Em 8 de julho, a flexibilização nos EUA aumentou: o índice de restrição caiu para 49,54 (quando havia atingido 72,69 em 24 de abril de 2020), ao mesmo tempo em que a mobilidade da população atingiu níveis ainda mais altos do que em abril de 2020 e janeiro de 2021.

O índice de restrição calculado pelo Our World in Data se baseia em “fechamentos de escolas, fechamentos de locais de trabalho e proibições de viagens”. Segundo esse parâmetro, 0 é o mais flexível e 100 o mais restrito.

Brito ressaltou que, “nos Estados Unidos, as medidas para mitigar os efeitos da pandemia vêm principalmente dos governos estaduais”.

Mesmo com alertas contrários dos CDC, importantes medidas não farmacológicas, como uso de máscara e redução da capacidade de público em locais fechados, foram flexibilizadas em alguns estados, como na Flórida e no Texas, estados com governadores alinhados ao ex-presidente Donald Trump (1, 2).



“Mortes evitáveis”


Segundo dados atualizados até 18 de dezembro no Our World in Data, o percentual de pessoas totalmente imunizadas nos EUA é menor, por exemplo, do que o de alguns países da Europa, como Portugal e Espanha, e do Brasil.

Brito apontou que “o número de mortes entre não vacinados chegou a ser cinco vezes maior do que entre os vacinados no último pico de casos em agosto/setembro de 2021 nos Estados Unidos”.

Para Sell, “muitas mortes em 2021 foram evitáveis, dada a disponibilidade da vacina”. Mas ponderou que não é possível precisar o quanto isso, de fato, impactou o número de óbitos por covid-19 nos EUA: “É difícil dizer o quanto o movimento antivacina e a desinformação contribuíram para as mortes porque é realmente complicado determinar quantas pessoas não foram vacinadas por causa dessas mensagens ou se elas não teriam sido vacinadas de qualquer maneira”.

Nesse sentido, uma pesquisa do Pew Reseach Center indicou o impacto das tendências políticas dos vacinados na campanha de imunização dos EUA, ao apontar que os eleitores do ex-presidente Trump são maioria entre os não vacinados.

*Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.



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