Jornal Estado de Minas

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É falso que uma enfermeira revelou código secreto para vacinas contra COVID

“Eslovênia escandalizada”, diz um texto compartilhado centenas de vezes nas redes sociais desde 23 de novembro de 2021. Algumas publicações incluem o vídeo de uma mulher falando em esloveno. Os usuários garantem que uma chefe de enfermagem, após a demissão, mostrou frascos de vacinas com um código que provaria que a vacina contra a covid-19 tem "um bastão de RNA que contém o gene onc". Esse suposto gene, de acordo com as versões que circulam, faz com que aqueles que recebem uma dose com esse código desenvolvam câncer.



Mas a história é falsa. A mulher que aparece no vídeo não era chefe de enfermagem na Eslovênia, e o código ao qual ela se refere é uma informação técnica do Certificado Digital COVID europeu.

“ESLOVÊNIA ESCANDALIZADA Ontem estourou um grande escândalo na Eslovênia, a chefe de enfermagem do University Medical Center, um centro clínico em Ljubljana, que se encarrega de receber os frascos e administrar tudo, pediu demissão, saiu na frente das câmeras e mostrou os frascos de vacinas. Ela mostrou às pessoas os códigos nos frascos onde cada um contém 1, 2 ou 3 dígitos no código e, em seguida, explicou o significado desses números”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3) acompanhada de um vídeo no qual, no entanto, não aparece o momento em que a mulher exibe os supostos frascos.

“O número 3 é um bastão de RNA que contém o gene onc, ligado ao adenovírus que contribui para o desenvolvimento do câncer”, acrescenta a legenda da publicação.

“Enfermeira-chefe da Eslovênia diz que 30% dos vacinados recebem placebo”, escreveu uma usuária em uma publicação no Twitter (1, 2, 3).




Mensagens semelhantes também circularam em espanhol, húngaro, inglês, sérvio, croata, alemão e tcheco. Segundo algumas versões nessas línguas, a mulher se chama Vera Kanale.

No vídeo viral, a mulher se identifica como Vera Kanalec e, de acordo com a equipe sérvia de verificação da AFP, faz alegações infundadas sobre as vacinas contra a covid-19. Mas a mulher não afirma ser chefe de enfermagem do Centro Médico Universitário nem ter sido uma "testemunha" da vacinação de "todos os políticos e magnatas".

A versão que circula nas publicações em português dura quase três minutos. Mas, segundo a tradução da gravação original que circula em publicações em outros idiomas e que tem cerca de 20 minutos, Kanalec lê uma definição do coronavírus em um manual universitário da década de 1960 e depois fala sobre as vacinas. A mulher cita um estudo para dizer que parte das vacinas administradas são na verdade um placebo, e que os frascos contêm um código. Em seguida, ela fala sobre os efeitos colaterais da vacina e sobre os que morreram com o coronavírus.



Kanalec se apresenta neste outro vídeo dizendo que está aposentada há nove anos.

O hospital esloveno nega


A atual chefe de enfermagem do Centro Médico Universitário de Ljubljana é Zdenka Mrak. Um porta-voz do hospital negou que Kanalec tivesse trabalhado lá: “Negamos essa história e todas as suas interpretações. A mulher no vídeo a que você está se referindo NÃO é a enfermeira-chefe do UKCL . A mulher do vídeo NÃO é funcionária do UKCL e, de acordo com nossos registros, nunca foi”. “Tanto o UKCL quanto sua liderança (incluindo a chefe de enfermagem, Zdenka Mrak) apoiam firmemente a vacinação como a maneira mais eficaz de evitar um maior contágio da doença da covid-19”, escreveu o porta-voz do centro em um e-mail à AFP em 30 de novembro de 2021.

Tanto a polícia eslovena quanto este jornal do país apoiaram a versão do hospital.

De acordo com o Instituto de Saúde Pública daquele país, em 2 de dezembro de 2021, 54,7% dos habitantes da Eslovênia haviam recebido o esquema de vacinação completo.



O código numérico é uma informação técnica


A mulher no vídeo viral mais extenso fala sobre uma "pesquisa", sem mais detalhes. Ela diz que os cidadãos “receberam aquele certificado com uma etiqueta onde estão os números 1, 2 e 3. Nos que receberam um frasco de placebo, lembre-se, existe o número 1. Não existem 2 ou 3”. O vídeo viralizado, no entanto, não mostra os frascos da vacina como dizem as publicações.

A AFP tentou entrar em contato com Kanalec para esclarecer suas afirmações, mas não obteve resposta até a data de publicação deste artigo.

A União Europeia (UE) estabeleceu o Certificado Digital COVID, que Vera Kanalec menciona no vídeo, onde estariam os códigos com 1, 2 ou 3.

No entanto, de acordo com as diretrizes europeias sobre esses certificados de vacinação, os números à versão do "certificado único de vacinação / identificador de inserção" (UVCI) que, assim, geram um código final para cada pessoa.



A AFP analisou os certificados europeus de cidadãos de diferentes países. Seus passes de saúde seguiram o mesmo modelo e tiveram o número inicial "01". O número é o mesmo para a primeira, a segunda e até a terceira dose da vacina, enquanto os números e letras que se seguem são diferentes para cada pessoa. São informações técnicas do documento individual, não relacionadas à vacinação.
Combinação de duas capturas de tela, feitas em 3 de dezembro de 2021, dos certificados digitais COVID da UE de funcionários individuais da AFP. Partes desfocadas e caixas vermelhas foram adicionadas pela AFP ( . / )

O guia de certificado europeu explica: “O Certificado Único de Vacinação / Identificador de afirmação (UVCI) seguirá uma estrutura comum que permitirá a interpretação humana ou mecânica em todos os Estados Membros e é projetado para a Internet”. O código é seguido pelas letras do prefixo do país, como HU para a Hungria ou ES para a Espanha.

Câncer e gene relacionado à vacina


Seguindo o raciocínio das publicações virais, os frascos com o número 3 seriam “um bastão de RNA que contém o gene onc, ligado ao adenovírus que contribui para o desenvolvimento do câncer”. O gene onc pode se tratar de um oncogene, que sofreu uma mutação e “pode fazer as células cancerosas crescerem”, conforme definido pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. Mudanças de genes em oncogenes podem ser herdadas ou resultado da exposição a substâncias do meio ambiente que causam câncer.



Mas não é isso que Vera Kanalec diz no vídeo verificado.

Kanalec afirma que C45 se refere a “C4591001”, que, segundo ela, se relaciona a “um diagnóstico de câncer de tecidos moles. Todos os diagnósticos de C45 a C49 significam câncer de tecidos moles que aparecerá entre três e dez anos após a vacinação”.

A equipe de verificação da AFP pesquisou na internet com o código C4591001 e procurou o link entre o C45 e o câncer:

Por um lado, este ensaio clínico da vacina Pfizer-Biontech é identificado com o código C4591001.

Por outro, o C45 era o código numérico para mesotelioma na Classificação Internacional de Doenças (ICD10, CID10 em português). A partir de 2022, será utilizada uma nova versão dessa classificação, a CID11, na qual esse tipo de câncer terá outro código. A mudança estava na pauta da 72ª Assembleia Mundial da Saúde e está detalhada neste relatório de abril de 2019, quando os primeiros casos do coronavírus ainda não haviam sido detectados.



Meses antes da aprovação das primeiras vacinas contra o coronavírus, já surgiram teorias sobre possíveis "ingredientes" suspeitos ou secretos dessas. Mas os componentes das vacinas não são secretos: as da Pfizer, Moderna, AstraZeneca, Janssen, Sputnik e Sinopharm, para citar alguns exemplos, foram divulgadas pelas autoridades sanitárias, conforme já explicado pela AFP (1, 2).

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