Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Esta não é uma "pesquisa do Google", e sim uma enquete, sem valor científico


 

Publicações afirmando que o presidente Jair Bolsonaro estaria na primeira posição de uma “pesquisa para presidente em tempo real (...) do Google”, foram compartilhadas mais de cinco mil vezes nas redes sociais desde pelo menos 15 de agosto de 2021. Mas isso é falso. Trata-se de uma enquete que não foi organizada e nem apoiada pelo Google e que “não possui valor científico e não pode ser confundida com pesquisa eleitoral”, segundo o próprio site que a divulga. Um especialista explicou à AFP que, para uma pesquisa ser válida, é preciso haver “preocupação com abrangência, com representatividade, todos os cidadãos devem ter chance de serem escolhidos na amostra”.





“Aí galera, ó, a ptezada pira. Presta atenção, você clica aqui e faz a seguinte pergunta: pesquisa em tempo real para presidente. Aí voce vem aqui, isso é uma pesquisa do Google, é enquete do Google, vigia. Olha aí, ó: vamos ver se vai aparecer quantos mil votantes já. Olha aí, 2.444.892 votantes. Aí quem quer votar igual eu, ó: aí você vem aqui. O meu presidente é o número 5, Bolsonaro”, diz o vídeo, compartilhado no Facebook, no Twitter (1, 2, 3) e no YouTube.

A orientação para participar da enquete continua: “Aí você vem aqui e digita no 5, vai aparecer a carinha do incrível Hulk, aí você clica em confirmar, pronto, aí você digita o DDD do seu número. Pronto, meu rei, já está votado, e aí sim. E aí sobe, vai subindo. 2.444.990 votos. E a ptezada pira, olha aí galera, olha o homem. Coisa linda, isso é pesquisa de verdade”.

Alegações similares, mostrando capturas de tela do site Enquetes ao Vivo, também circularam no Twitter (1, 2, 3), no Instagram e no Facebook.




Uma busca pelo endereço indicado no vídeo leva ao site Eleições ao Vivo, que se diz “um portal sobre as eleições no Brasil em tempo real”, sem qualquer relação demonstrada com o Google, como alegam as mensagens. No topo da página, o portal sinaliza que a “enquete não possui valor científico e não pode ser confundida com pesquisa eleitoral”.

Apesar disso, as publicações compartilhadas alegam se tratar de uma “pesquisa em tempo real para presidente”, fazendo crer que a votação divulgada é uma “pesquisa de verdade”.

Glauco Peres, professor de ciência política e coordenador do Grupo de Estudos Eleitorais do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais da Universidade de São Paulo (NECI-USP), explicou ao Checamos que “para uma pesquisa ser válida, todos os cidadãos devem ter chance de serem escolhidos na amostra. Se não têm, ela não é válida, não é representativa”.

Já uma enquete, como a que circula nas redes sociais, caracteriza-se como o “levantamento de opinião sem plano amostral, que depende da participação espontânea do interessado e que não utiliza método científico para a sua realização”, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).



“Claramente um segmento da população, uma parcela das pessoas, não tem chance de ser ouvida. Isso não tem validade, porque é uma amostra viesada, como a gente chama”, acrescentou Peres.

A amostra, utilizada como método nas pesquisas eleitorais, é um grupo de pessoas cujas características como idade, sexo, escolaridade, distribuição regional, traduzem o conjunto do total de eleitores, explica o instituto de pesquisas Datafolha.

Quantidade de votos

Segundo Peres, o fato de a enquete dizer já ter computado mais de cinco milhões de votos não influencia na confiabilidade da pesquisa, pois esse número não representa, necessariamente, o total de 147 milhões de eleitores aptos a votar no Brasil.

Além disso, “não sabemos se é possível votar várias vezes”, diz o professor.

A equipe do AFP Checamos fez esse teste e conseguiu votar mais de uma vez, tanto repetindo o candidato, quanto votando em candidatos diferentes. Após a seleção, a página pede que “digite o DDD do seu Estado”, o que facilitaria a visualização da votação por localidades. O Checamos conseguiu preencher o campo diversas vezes, com códigos de estados de todas as regiões do Brasil, e também repetindo o código de um mesmo estado.



Votação “em tempo real”


As publicações viralizadas destacam o fato de a votação ocorrer “em tempo real”. Mas Peres afirmou que “não importa se é ao vivo, isso não altera a discussão”.

O especialista apontou que esse fator pode, inclusive, tornar a enquete ainda menos confiável: “Quem está online e disponível a responder esse tipo de enquete com maior chance, com maior possibilidade? É isso que a gente tem que pensar. Eu não consigo dizer a priori quem são nem o que pensam. Eu não estou dizendo que é bolsonarista, que é petista… Eu não sei. Eu só estou dizendo que isso não é representativo da população - alguém que fica online olhando para uma enquete assim, podendo responder esse tipo de questão. Para quem chegam essas perguntas?”, indagou o professor.

Ele destacou que é preciso atentar-se à forma como as pessoas são ouvidas. “A maneira como um instituto chega até as pessoas é o que faz uma pesquisa eleitoral ser válida, porque tem essa preocupação e tem técnicas, métodos de fazer, de abordar as pessoas”. Em uma pesquisa eleitoral, “todo mundo potencialmente pode ser ouvido, todo mundo pode ser selecionado no começo do processo, isso é o que torna a pesquisa válida”.



Pesquisas recentes


Até o dia 8 de setembro de 2021, o site de enquetes mostrava o presidente Jair Bolsonaro na liderança, com 53,68% dos votos, seguido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 15,11%.

As pesquisas eleitorais realizadas de junho a setembro por institutos como Datafolha, Ipec e Quaest/Genial Investimentos, contudo, mostram um cenário distinto, com Lula liderando a corrida eleitoral para 2022.

Essa última, divulgada em setembro de 2021, mostra Lula com 23% dos votos na intenção espontânea, quando os candidatos não são apresentados ao eleitor, e Bolsonaro com 15%. Já no cenário estimulado, quando os candidatos à Presidência são apresentados, o petista aparece com 47% dos votos, contra 26% do atual presidente no primeiro turno, e com 55% contra 30% de Bolsonaro no segundo turno.

O Checamos entrou em contato com o site Eleições ao Vivo, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.