Jornal Estado de Minas

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A fotografia de estudantes de minissaia foi tirada no Irã, não no Afeganistão

Uma imagem de jovens mulheres com livros no colo e vestindo saias foi compartilhada centenas de vezes nas redes sociais desde o último 16 de agosto com a afirmação de que foi registrada quando o Afeganistão tinha “tinha um governo socialista”. Mas isso é falso: a fotografia corresponde a uma cena em uma universidade no Irã.



“Foto em algum país progressista da Europa? Não. Essa foto é da década de 1970, no Afeganistão”, afirma o texto que acompanha a imagem em publicações compartilhadas mais de 130 vezes no Facebook (1, 2, 3), no Twitter e no Instagram.

Ainda de acordo com as postagens, que também circularam em espanhol, catalão e inglês, a imagem data de quando “o país tinha um governo socialista”.

A imagem começou a circular logo depois de os talibãs tomarem o controle de quase todo o território afegão e do palácio presidencial em Cabul, no último dia 15 de agosto, após a partida das tropas dos Estados Unidos.



Jovens estudantes… no Irã

O meme utiliza a fotografia de jovens estudantes vestindo saias para ilustrar a situação das mulheres durante “o governo socialista” do Afeganistão, mas a imagem não foi registrada nesse país.

Uma busca reversa pela foto nas ferramentas Google e Yandex levou a várias publicações que mencionam o cotidiano no Irã antes da Revolução Islâmica de 1979.

O site do autor de origem grega Kaveh Farrokh, especializado em história iraniana, por exemplo, utilizou a imagem em uma publicação datada de julho de 2020 e intitulada “A velha Teerã: anos 1960 e 1970”, em tradução livre do inglês.




De acordo com os dados fornecidos na legenda da fotografia, tratam-se de estudantes da Universidade de Teerã e o registro pode ser encontrado no livro “Iran, the Land of Kings”, de 1971, de R. Tarverdi y Ali Massoudi.

A imagem também pode ser vista nesta galeria digital da publicação Foreign Policy, com a seguinte descrição: “Universidade de Teerã em 1971. A Universidade de Teerã abriu para as mulheres em 1934 (...) muito antes da maioria das universidades dos Estados Unidos integrarem as mulheres. (...) Contudo, apesar da abertura da época, em 1977, apenas 35% das mulheres de Teerã sabiam ler e escrever”.

Em 2015, a fotografia foi publicada no site da CNN Turquia com o título “O cotidiano no Irã antes da Revolução Islâmica de 1979”.



Afeganistão em 1971

O meme faz alusão à época da Revolução Saur, de inclinação comunista, que deu lugar à República Democrática do Afeganistão e foi o prelúdio da ocupação soviética que ocorreu posteriormente.

Mas a Revolução Saur aconteceu em 1978 e o Exército Vermelho entrou em Cabul em 1979.

A fotografia que circula no meme viralizado data, por sua vez, de 1971, quando o Afeganistão era comandado por Mohammad Zahir Shah, último rei do país, derrubado em 1973 por seu primo e cunhado, o ex-primeiro-ministro Mohammad Daud.

Segundo um artigo de 2012 intitulado “A situação da educação das mulheres no Afeganistão”, escrito pela professora da Universidade de Cabul Humaira Haqmal, durante a década de 1960, antes da derrubada de Mohammad Zahir Shah e da criação da República Democrática do Afeganistão, “um grande número de meninas e meninos afegãos tiveram acesso às escolas. Estudaram juntos na universidade e foram ao exterior para cursar estudos superiores”.



Haqmal também aponta que houve “centenas de milhares de mulheres com instrução” sendo educadas em um “ambiente democrático na capital e nas províncias do Afeganistão”.

A professora acrescenta que na década de 1980 as mulheres representavam 70% dos professores e 40% dos médicos, assim como 50% dos funcionários do setor público.

Mas com a chegada do regime talibã em 1996, elas foram impedidas de estudar ou trabalhar, de saírem de suas casas a menos que fossem acompanhadas por um homem da família. Também foram obrigadas a usar a burca (vestimenta que cobre todo o corpo) em público.

Haqmal observa que após a queda dos talibãs em 2001, as mulheres emergiram de seu isolamento político e recuperaram o acesso à educação e ao emprego, especialmente nos centros urbanos. Com o retorno dos talibãs muitas afegãs temem perder seus direitos novamente.

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