Jornal Estado de Minas

Fact-checking

Checamos: Papa Francisco não pediu que repetissem a oração ''Estou vacinado com sangue de Cristo: nenhum vírus pode tocar-me''

Em meio à pandemia do coronavírus, publicações compartilhadas mais de 2,4 mil vezes desde o início de abril afirmam que o papa Francisco pediu aos fiéis que repetissem uma oração que descreve o sangue de Cristo como uma “vacina” que pode manter o vírus longe.


Embora neste período o pontífice tenha feito várias homilias e enviado mensagens com relação à COVID-19, não há registros de que ele tenha dito tais palavras desde o início do seu papado.

“O Santo Papa Francisco pediu a todos que repitam esta oração na mente: ‘Estou vacinado com o Sangue de Cristo: nenhum vírus pode tocar-me!’ Compartilhe!!!”, dizem diferentes publicações no Facebook (1, 2, 3), que, juntas, somam mais de 2,4 mil compartilhamentos desde o último dia 3 de abril.
Papa Francisco beija crucifixo milagroso levado da igreja de San Marcello al Corso para a basílica de São Pedro, durante a bênção Urbi et Orbi, em 27 de março de 2020 no Vaticano

O suposto convite do papa aos fiéis para fazerem essa oração também circulou no Twitter (1, 2, 3, 4), e em outros idiomas, como espanhol (1, 2, 3), inglês (1, 2, 3) e malaiala (1, 2), língua falada no estado de Kerala, na Índia.


Contudo, não há registro de que o papa tenha dito isto alguma vez.

As palavras do papa


Uma busca pela palavra vacina e pela expressão “nenhum vírus pode tocar-me” no site do órgão de comunicação oficial do Vaticano, Vatican News, que informa diariamente sobre as atividades públicas do papa e transcreve os trechos mais importantes de suas mensagens, revelou que não há nenhum chamado aos fiéis para rezar a oração viralizada nas redes sociais, nem este ano nem em anos anteriores.

Inclusive, em uma matéria publicada em 6 de abril de 2020 no Vatican News, o bispo de Santo André e presidente da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da CNBB, dom Pedro Carlos Cipollini, diz em seu texto, citando um teólogo, que “a oração não é vacina nem é antídoto”: “Se fosse assim a dezena de padres mortos em Bolonha estaria viva!”.

Pelo Vatican News, a equipe de checagem da AFP verificou que o primeiro pronunciamento do papa a respeito do novo coronavírus foi feito durante o Angelus de 26 de janeiro deste ano na Praça São Pedro: Desejo estar também próximo e rezar pelas pessoas que estão doentes por causa do vírus que se espalhou na China”, disse nesse dia. “Que o Senhor acolha os mortos na Sua paz, conforte as famílias e apoie o grande empenho da comunidade chinesa, já posto em prática para combater a epidemia”, acrescentou Francisco.


Com essa data como ponto de partida, a equipe de checagem da AFP realizou uma busca nos documentos especificamente relacionados à COVID-19 na página dedicada a Francisco no site oficial em português, espanhol, italiano e inglês da Santa Sé. Nele podem ser consultadas todas as homilias, orações, encíclicas, bulas, cartas apostólicas, os discursos, e demais mensagens e comunicados dos papas, desde Leão XIII (1810-1903) até Francisco.

Até 30 de abril foram encontrados um total de nove Angelus, quatro homilias, seis audiências, três cartas, duas mensagens Urbi et Orbi, duas mensagens pontifícias e 45 missas matinais do papa que fazem referência à atual pandemia. Nenhuma delas contém a frase viral nem menção alguma à palavra “vacina”.
Papa Francisco beija crucifixo milagroso levado da igreja de San Marcello al Corso para a basílica de São Pedro, durante a bênção Urbi et Orbi, em 27 de março de 2020 no Vaticano

A equipe de checagem da AFP também entrou em contato com a assessoria de imprensa da Santa Sé, que confirmou por e-mail que o papa não fez este chamado à oração: “Podemos confirmar que o Santo Padre nunca usou estas palavras. Não há registro delas em nenhuma de suas contribuições e discursos, e tampouco pediu aos fiéis que as usem como oração em nenhuma ocasião”.


Ao contrário, o papa pediu que rezassem pelas pessoas dedicadas a encontrar soluções à pandemia. Na homilia feita durante a missa do último dia 13 de abril, ele pediu que fizessem orações “pelos governantes, pelos cientistas, pelos políticos que começaram a estudar uma saída”.

Também é frequente que Francisco peça para orarem pelos doentes e pelos profissionais da saúde. Em uma missa do dia 24 de março, por exemplo, lamentou as mortes de profissionais das equipes médicas e pediu que rezassem por eles: “dou graças a Deus pelo exemplo de heroísmo que nos dão na assistência aos enfermos”, disse.

Até 30 de abril, a COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus, já havia provocado mais de 220 mil mortes e 3,2 milhões de contágios em todo o mundo, desde que foi detectada em dezembro de 2019 na China, de acordo com um balanço da AFP com base em fontes oficiais.

Em resumo, o papa Francisco não pediu à comunidade católica que repetisse a oração “Estou vacinado com o sangue de Cristo: nenhum vírus pode tocar-me”. Não há registros de que tais palavras tenham sido pronunciadas por ele em nenhum de seus Angelus, missas, ou mensagens, desde o início da pandemia nem em nenhuma ocasião anterior, como foi confirmado pela AFP por meio da leitura direta de documentos e em consulta à assessoria de imprensa da Santa Sé, no Vaticano.