(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas 'GESTÃO IRRESPONSÁVEL'

Os crimes atribuídos a Bolsonaro por juristas em relatório à CPI da Covid

A CPI da Covid recebeu esta semana um relatório elaborado por juristas brasileiros que afirma que o presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido diversos crimes na gestão da pandemia de coronavírus.


16/09/2021 06:43 - atualizado 16/09/2021 08:19


Jair Bolsonaro pode ter cometido crime de charlatanismo, segundo relatório dos juristas, por promover remédios ineficazes contra covid-19(foto: Reuters)
Jair Bolsonaro pode ter cometido crime de charlatanismo, segundo relatório dos juristas, por promover remédios ineficazes contra covid-19 (foto: Reuters)

A CPI da Covid recebeu esta semana um relatório elaborado por juristas brasileiros que afirma que o presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido diversos crimes na gestão da pandemia de coronavírus, inclusive crimes de responsabilidade, que podem desencadear processos de impeachment.

O documento chega às mãos dos senadores em um momento em que a comissão — instaurada no começo deste ano para apurar responsabilidades de autoridades na gestão da pandemia de coronavírus no Brasil — se prepara para encaminhar seu relatório final com o resultado dos trabalhos.

A CPI tem sido marcada por fortes críticas a Bolsonaro na gestão da crise, e espera-se que o relatório final da comissão impulsione pedidos de impeachment contra o presidente. No entanto, qualquer pedido de impeachment precisa ser aprovador pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que é aliado de Bolsonaro.

O documento, elaborado pelos juristas ao longo de três meses, afirma que "não são poucas as situações que, ao ver da comissão de especialistas, merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais".

"O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização. Não se trata, apenas, de descumprimento de deveres por parte dos gestores públicos, mas, também, da recusa constante do conhecimento científico produzido ao longo do enfrentamento da pandemia do covid-19", diz o texto.

O relatório de 226 páginas foi feito em junho deste ano a pedido do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). No requerimento número 826 deste ano, o senador pedia um "estudo por renomados juristas e pesquisadores de diferentes universidades brasileiras, liderados pelo Professor Salo de Carvalho, acerca da imputação penal potencialmente cabível aos responsáveis por ações e omissões no combate à pandemia".

O professor Carvalho envolveu-se com o início dos trabalhos, mas acabou deixando o relatório, que ficou a cargo de Miguel Reale Júnior — o mesmo jurista cuja denúncia em 2015 deu início ao processo que culminou no impeachment da então presidente do Brasil, Dilma Rousseff.


Documento é assinado por Miguel Reale Júnior, que coordenou o trabalho(foto: Agência Brasil)
Documento é assinado por Miguel Reale Júnior, que coordenou o trabalho (foto: Agência Brasil)

Assinam o documento outros três juristas: Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wünderlich.

Bolsonaro e seu governo rebateram ao longo dos meses os indícios levantados pela CPI, que agora estão reunidos e analisados do ponto de vista legal no documento dos juristas.

Confira abaixo os cinco crimes que o governo de Jair Bolsonaro teria cometido, segundo as conclusões do relatório.

1. Crimes de responsabilidade

O documento lista sete áreas de atuação onde o presidente Jair Bolsonaro e autoridades de saúde do governo federal teriam cometido crimes de responsabilidade.

Entre as áreas estão o projeto de imunização de rebanho, atos contrários à precaução contra covid, promoção de medicamentos sem eficácia comprovada, a atuação do governo federal em Manaus e erros no processo de compra de vacinas da Pfizer e do Butantan.

"O Presidente da República foi ao longo de fevereiro e março de 2020 reiteradamente colocado a par dos graves problemas decorrentes da pandemia que levara à decretação da Emergência Nacional, a se ver pelas reuniões ministeriais ocorridas com sua presença no Palácio do Planalto", dizem os juristas.


Juristas dizem que governo Bolsonaro pode ter cometido crimes na gestão da crise de covid em Manaus, em janeiro deste ano(foto: Reuters)
Juristas dizem que governo Bolsonaro pode ter cometido crimes na gestão da crise de covid em Manaus, em janeiro deste ano (foto: Reuters)

"(…) Não houve de sua parte senão obstáculos ao cumprimento das medidas indicadas como imprescindíveis para proteção da vida da população e de defesa de sua saúde em face da disseminação do vírus da covid-19"

"O Presidente da República colocou a garantia da continuidade da plena atividade econômica acima da adoção das medidas preconizadas pelos especialistas e pela OMS, manifestando insensível indiferença às mortes que ocorreriam, 'pois todos vamos mesmo morrer um dia', tomando decisões planejadas de minimizar a prevenção obstaculizando o uso de máscaras; ampliando o rol de atividades essenciais não sujeitas à limitação de trabalho; participando de aglomeração em espaços fechados ou abertos e autorizando atividades em templos e escolas; propagando todos os dias a adoção de tratamento precoce não cientificamente constatado e, por vezes, prejudicial à saúde."

"Por fim, conspirando contra as vacinas, seja ao não adquiri-las, seja instalando no espírito da população desconfiança acerca de sua eficácia e mesmo sugerindo serem prejudiciais."

Os juristas também citam a suposta formação de um "ministério sombra" formado por assessores informais em reuniões no Palácio do Planalto que tinham como objetivo promover a ideia de imunização de rebanho.

O relatório afirma que Bolsonaro poderia ser enquadrado no Artigo 85 da Constituição Federal, por crime de responsabilidade por "atentar contra o exercício de direito individual e social, no caso o direito à vida e à saúde".

"A Lei 1.079/50, relativa aos crimes de responsabilidade, dispõe no seu art. 7º, número 9, que constitui crime 'violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no art. 157 da Constituição'. (A lei referia-se a artigos da Constituição de 1.946, correspondentes aos arts. 5 e 6 da Constituição atual). "

2. Crimes contra a saúde pública

Neste item, os juristas desdobram o argumento contra a gestão feita pelo governo federal em três crimes: crime de epidemia, crime de infração de medida sanitária preventiva e crimes de charlatanismo.

O Artigo 267 do Código Penal prevê punições para quem "causa epidemia".

"Causar epidemia significa, aqui, contribuir de forma relevante para o resultado verificado in concreto, como é amplamente corrente em direito penal", escrevem os juristas.

"Como visto, o sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro praticou atos de manifestação pública e atos normativos claramente no sentido de causar a propagação da epidemia, seja para buscar a imunidade de rebanho, seja para supostamente privilegiar a economia em detrimento da vida e da saúde da população brasileira."


Documento cita aglomerações promovidas por Bolsonaro, como as 'motociatas'(foto: Reuters)
Documento cita aglomerações promovidas por Bolsonaro, como as 'motociatas' (foto: Reuters)

Na infração de medidas sanitárias, os juristas citam as diversas aglomerações promovidas por Bolsonaro e o não-uso de máscara do presidente e outras autoridades. O crimes está previsto no artigo 268 do Código Penal: "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".

Também é citada a Lei 14.019/20 que prevê a possibilidade de imposição de sanção pelos órgãos federais àqueles que descumprirem o uso de máscaras obrigatório.

Na parte sobre charlatanismo, o relatório cita a promoção que Bolsonaro fez de medicamentos sem eficácia comprovada ou comprovadamente ineficazes, como ivermectina e hidroxicloroquina, no combate à covid. Esse crime está previsto no artigo 283, de "inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível".

3. Crime contra a paz pública

Esse crime estaria previsto no Artigo 286: "de incitar, publicamente, a prática de crime" ao estimular o desrespeito a quarentenas e uso de máscaras.

"O Presidente reiteradamente incitou as pessoas a não cumprirem com estas obrigações, até mesmo delas fazendo chacota e as apodando de limitadoras da liberdade de ir e vir e não protetivas da saúde e da vida como efetivamente são."

"De outra parte, provocou pessoas, que efetivamente o fizeram, a invadir hospitais com a falsa desconfiança de ser mentira a alta ocupação de leitos da UTI."

No dia 10 de junho, Bolsonaro disse durante uma transmissão ao vivo no seu Facebook: "Pode ser que eu esteja equivocado, mas, na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro. Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não".

4. Crimes contra a administração pública

Nesta parte, os juristas listam as negociações entre o governo federal e empresas e órgãos para aquisição das vacinas Coronavac e Covaxin. Além disso, os juristas falam no caso da empresa Davati, em que doses de vacinas foram oferecidas por um preço mais caro ao governo federal.

No caso da compra da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, o texto afirma não haver prova de "qualquer ilícito penal".

Sobre o caso da Davati, em que as investigações da CPI mostraram que a empresa sediada nos Estados Unidos ofereceu 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca, a serem adquiridas no mercado secundário, os juristas acreditam que houve crime de corrupção passiva.

Nesse caso, os crimes não são imputados pelos juristas a Bolsonaro, mas sim a diretores do Ministério da Saúde e executivos da empresa. Esses crimes estão previstos no Artigo 317 do Código Penal: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".

No caso da vacina indiana Covaxin, o Ministério da Saúde firmou contrato com a Precisa Medicamentos, que representava a farmacêutica indiana Bharat Biotech. No entanto, descobriu-se que problemas nos documentos e no preço da vacina, e o contato acabou sendo cancelado.

Os juristas listam estelionato e falsificação de documentos como crimes supostamente provocados por empresas privadas. No caso de agentes públicos, o relatório afirma que podem ter sido cometidos os crimes de advocacia administrativa e prevaricação.

5. Crimes contra a humanidade

Por fim, o relatório diz que Bolsonaro teria cometido crimes contra a humanidade, na desassistência a povos indígenas e na crise do abastecimento de oxigênio durante o surto de coronavírus em Manaus, em janeiro deste ano.


Ex-ministro Eduardo Pazuello é citado no relatório em item sobre crimes contra a humanidade(foto: Agência Senado)
Ex-ministro Eduardo Pazuello é citado no relatório em item sobre crimes contra a humanidade (foto: Agência Senado)

Os juristas citam crimes que estão previstos no Estatuto de Roma, criado em 1998 e ao qual o Brasil aderiu em 2002, que cria o Tribunal Penal Internacional.

"Presentes, portanto, os elementos que autorizam a conclusão de que os atos e omissões deliberados da Presidência da República, diretamente ou por seus órgãos, em especial o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello, traduzem a existência dos elementos contextuais de crimes contra a humanidade previstos no artigo 7º (1)(k) do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, consistentes na inflição de atos desumanos de extrema gravidade e que causaram, e continuam a causar, grande sofrimento, mortes, lesões corporais graves, danos duradouros à saúde física e mental de pacientes, e danos materiais e psicológicos às famílias e aos profissionais de saúde", afirma o texto.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)