(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas HAJA ESPAÇO DIGITAL

Mais de 85 mil arquivos: Gigantesco volume de documentos desafia investigação da CPI da Covid

Comissão já recebeu 1,3 terabyte de dados e falta equipe para analisar informações


23/06/2021 09:26 - atualizado 23/06/2021 09:43


Relator da CPI, Renan Calheiros conta com apoio de servidores cedidos por TCU, Receita e PF para analisar documentos(foto: Agência Senado)
Relator da CPI, Renan Calheiros conta com apoio de servidores cedidos por TCU, Receita e PF para analisar documentos (foto: Agência Senado)

Em funcionamento há quase dois meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid já recebeu mais de 1,3 terabytes de documentos requisitados pelos senadores a órgãos públicos, empresas e outras instituições. Segundo o secretário da CPI, Leandro Cunha Bueno, que coordena a equipe administrativa da comissão, é o maior volume já obtido por uma investigação do Senado, considerando os dez anos em que ele atua na área.

O grande volume já criou problemas tecnológicos de processamento dos dados e alimenta dúvidas sobre a real capacidade de a CPI e o gabinete dos senadores analisarem todo o material recebido.

A informação total obtida até segunda-feira (21/6) se divide em 62.707 arquivos de acesso livre, que somam 896 gigabytes, e outros 24.052 arquivos sigilosos, com 423 gigabytes.

O "volume absurdo de documentos", nas palavras do secretário da CPI, acabou sobrecarregando o sistema que armazena as informações sigilosas, atrasando o acesso a parte das informações obtidas. A dificuldade foi a inserção em documentos muito pesados da marca d'água digital de proteção do conteúdo (registros do login e do IP de acesso que servem para rastrear quem abriu os arquivos).

O problema foi resolvido pela assistência técnica do Senado após reclamação do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), um dos membros da CPI que solicitou grande volume de dados.

"Como comparação, a CPI das Fake News recebeu cinco gigabytes de dados sigilosos. É um volume (da CPI da Covid) muito superior ao que estávamos acostumados em outras comissões", nota Bueno.

"Talvez seja comparável ao da CPI dos Correios (realizada em 2005), mas antigamente era tudo em papel", acrescenta.

Os documentos obtidos pela investigação do Senado já produziram desgastes ao governo de Jair Bolsonaro em algumas frentes. A troca de dezenas de e-mails entre a farmacêutica americana Pfizer e o Ministério da Saúde ao longo de 2020, por exemplo, comprovou a demora do governo em negociar a compra de vacinas.

Já documentos enviados pelo governo do Amazonas à CPI mostraram que o governo federal foi avisado sobre a carência de oxigênio em 7 de janeiro, uma semana antes do colapso da falta do gás para atendimento dos pacientes com covid-19.

A revelação mais recente, noticiada pelo jornal O Estado de S. Paulo na terça-feira (22/06), mostra indícios de superfaturamento na aquisição da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. Segundo a reportagem, a CPI obteve telegrama sigiloso enviado em agosto ao Itamaraty pela embaixada brasileira em Nova Délhi informando que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a dose).

Em fevereiro, porém, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade (R$ 80,70 na cotação da época), o que fez da Covaxin a mais cara das seis vacinas compradas até agora.


Para Humberto Costa, governistas requisitaram informações a dezenas de municípios para
Para Humberto Costa, governistas requisitaram informações a dezenas de municípios para "tumultuar" CPI (foto: Agência Senado)

O arsenal da CPI, no entanto, continuará crescendo nas próximas semanas, com documentos já solicitados que ainda estão sendo enviados ou por meio de novas requisições dos senadores.

No momento, a comissão aguarda a quebra de sigilo fiscal, bancário e telemático de autoridades, como os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), e de empresários suspeitos de terem lucrado indevidamente com a venda de remédios sem eficácia contra covid-19.

As informações financeiras serão processadas em outro sistema, ao qual a CPI tem acesso por meio de convênio com o Ministério Público Federal, chamado Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba).

Volume 'inútil' de informação?

Nos bastidores do Senado, técnicos e senadores reconhecem que parte do material recebido provavelmente jamais será analisada por falta de braço suficiente.

A Secretaria da CPI tem no momento uma equipe de dez pessoas dedicadas à solicitação das informações requisitadas pelos senadores e ao gerenciamento do material recebido nos sistemas, além de outras tarefas administrativas, como formalizar a convocação de testemunhas, organizar reuniões da comissão e prestar informações ao Supremo Tribunal Federal quando há judicialização de questões da CPI.

Essa equipe, porém, não analisa os documentos. Isso é feito pelos gabinetes dos parlamentares, sendo o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), o único que tem um reforço para esse trabalho. Além de uma pessoa do seu gabinete, há o apoio de quatro consultores do Senado e o empréstimo de quatro servidores de outros órgãos (dois do Tribunal de Contas da União, um da Receita Federal e um da Polícia Federal).

Os demais gabinetes contam com sua própria equipe ou funcionários das lideranças partidárias.

Os senadores com maior número de requisições de informação são os oposicionistas Humberto Costa (PT-PE), que já apresentou 75 pedidos, e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com 66.

Em termos de volume de dados solicitados, porém, os senadores vistos como governistas parecem liderar, já que esse grupo apresentou pedidos mais amplos, direcionados a todos os Estados e a dezenas de cidades. A Secretaria da CPI, porém, não soube informar o volume total obtido a partir dos pedidos de que cada parlamentar.

Alinhado com o Palácio do Planalto, esse grupo defende que a CPI precisa ir a fundo na investigação de possíveis desvios de verbas que a União transferiu a governos estaduais e municipais para o enfrentamento da pandemia. Esse é um dos objetivos formais da comissão, embora a maioria dos seus integrantes, composta por senadores oposicionistas e independentes do governo Bolsonaro, venham priorizando a apuração de eventuais falhas e ilegalidades da gestão federal.

"Pediram informações a municípios no país inteiro. A estratégia deles é criar fumaça, criar tumulto", crítica Humberto Costa, ao comentar os pedidos de senadores aliados do Planalto.

Um dos principais defensores de Bolsonaro no Congresso, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), por exemplo, requisitou informações de todos os municípios com mais de 200 mil habitantes (ou seja, 154 cidades), além dos 26 Estados e do Distrito Federal.

Diretamente a esses governos estaduais e municipais, ele pediu a cópia integral, em formato digitalizado, "1. de todas as notas de empenho (em PDF), 2. de todas as ordens bancárias (em PDF), 3. de todas as notas fiscais (em arquivo XML), 4. de todos os processos administrativos de despesa - independentemente de ter havido licitação ou dispensa ou inexigibilidade (em PDF) relativos à aplicação de TODOS os recursos federais destinados a cada um daqueles entes federados para o combate à COVID 19, incluindo, ainda: 4. os extratos bancários (em arquivo Excel) e 5. os documentos bancários de comprovação de todas os débitos e créditos ocorridos nas respectivas contas (em arquivo PDF)".

Além disso, solicitou às Policiais Civis e às Procuradorias de todos os Estados e do DF, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, e a Tribunais de Conta da União e de todos os Estados e de todos os Municípios com mais de 200 mil habitantes também as informações de todas as apurações abertas (processos, inquéritos, auditorias, inspeções) sobre recursos federais destinados aos governos estaduais e às prefeituras desses 154 municípios.

Procurado por meio da sua assessoria desde sexta-feira (19/06) para falar à reportagem sobre o grande volume de dados requisitado e o trabalho do seu gabinete para analisar esses documentos, Ciro Nogueira não retornou o pedido da BBC News Brasil.


Para Eduardo Girão, oposição ao governo Bolsonaro está
Para Eduardo Girão, oposição ao governo Bolsonaro está "blindando" investigação de Estados e municípios na CPI (foto: Agência Senado)

O senador Eduardo Girão, por sua vez, fez algumas solicitações de dados aos governos de todos os Estados e de todas as prefeituras de capitais, como a evolução do número de leitos de UTI e de óbitos registrados nos últimos anos; dados sobre as compras de oxigênio, medicamentos e equipamentos médicos; e informações de contratos com instituições privadas sem fins lucrativos durante a pandemia.

Também pediu ao TCU cópia integral "de todos os processos abertos para apurar desvios de recursos federais repassados a Estados, Distrito Federal e Municípios em razão da pandemia da Covid 19", "do processo aberto para apurar supostas omissões do ex-ministro Eduardo Pazuello na gestão da pandemia da Covid" e "do relatório de auditoria produzido em razão de requerimento aprovado pela Comissão Técnica da Covid do Senado Federal". Apenas os dados não sigilosos enviados pelo TCU em resposta ao pedido de Girão somam 6,6 gigabytes.

À BBC News Brasil, o senador negou que seja governista. Se colocando como independente, ressaltou que tem solicitado tanto informações sobre os Estados e municípios como relativas ao governo Bolsonaro. Girão argumenta ainda que é preciso investigar a todos e que há uma "blindagem" da maioria da comissão à apuração de práticas de corrupção em governos estaduais e municipais.

Seu principal foco na CPI tem sido a compra de 300 respiradores pelo Consórcio Nordestes da empresa HempCare, no valor de R$ 48,7 milhões, que nunca foram entregues. O senador considera a operação suspeita, já que a empresa não é do ramo e teve os recursos liberados rapidamente. O Consórcio do Nordeste, por sua vez, se considera vítima de fraude e entrou na Justiça para reaver os recursos — o processo ainda está em andamento no Superior Tribunal de Justiça.

Girão disse à BBC News Brasil que os documentos que solicitou sobre a empresa confirmam que os recursos usados na compra eram verba repassada da União, o que justificaria a convocação do secretário-executivo do Consócio Nordeste, Carlos Eduardo Gabas. A proposta de convocação, porém, foi rejeitada pela maioria da CPI na semana passada. Na ocasião, o senador Humberto Costa rebateu Girão dizendo que os recursos usados na compra dos respiradores eram estaduais e, por isso, não podiam ser alvo da CPI.

A BBC News Brasil questionou Girão sobre que outras informações úteis teria obtido com os documentos recebidos até o momento, mas ele disse que ainda está analisando o material.

"O volume realmente é muito grande, mas nossa equipe tem se revezado na identificação e análise dessa documentação", contou.

"A gente ainda está depurando mais, solicitando mais informações. Eu não posso antecipar."

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)