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Estado de Minas

Por que especialistas defendem que presos estejam entre grupos prioritários na vacinação contra a covid-19

No Brasil, o plano nacional de vacinação do Ministério da Saúde incluiu presos entre os grupos prioritários, depois de idas e vindas; impopular, tema gera debates e polêmicas também nos EUA.


20/12/2020 19:32 - atualizado 20/12/2020 19:38

Para especialistas, é crucial incluir os presidiários entre os primeiros a serem imunizados(foto: Agência Brasil)
Para especialistas, é crucial incluir os presidiários entre os primeiros a serem imunizados (foto: Agência Brasil)
Em um momento em que governantes em diversos países decidem quem serão os primeiros a receber as ainda escassas doses de vacina contra a covid-19, cresce o debate sobre a inclusão da população carcerária entre os grupos prioritários.

 

Especialistas em saúde pública ressaltam que o alto risco de exposição nas prisões e o impacto não apenas sobre detentos e funcionários, mas também na população das cidades onde estão localizadas, fazem com que seja crucial incluir os presidiários entre os primeiros a serem imunizados.

 

"Prisões são incubadoras de doenças, incluindo a covid-19", diz à BBC News Brasil o especialista em bioética Arthur Caplan, professor da Escola de Medicina da Universidade de Nova York.

 

"Você não vai querer ter em sua região um lugar que está espalhando a doença. Guardas, pessoal de limpeza, fornecedores de comida, visitantes, muita gente entra e sai das prisões. É preciso controlar (a propagação da doença nas prisões)."

 

O especialista em saúde pública William Lopez, professor da Universidade de Michigan, observa que é comum a ideia de prisões como fortalezas onde ninguém entra ou sai, mas na realidade essas instalações costumam ter grande movimento de pessoas.

 

"Há pessoas entrando e saindo de prisões o dia inteiro, como presos que foram libertados, guardas ou outros funcionários. Essas pessoas estão entrando em um local de alta densidade e risco e depois voltando para casa em suas comunidades", diz Lopez à BBC News Brasil.

Resistência

Mas a ideia de vacinar presidiários antes de outras parcelas da população é muitas vezes recebida com resistência, principalmente enquanto ainda não há doses suficientes para todos.

 

Nos Estados Unidos, somente seis dos 50 Estados anunciaram a inclusão da população carcerária em seus planos para a primeira fase de vacinação. Em outros 19 Estados, os presos deverão ser imunizados em uma segunda fase, quando maior número de doses estiver disponível.

 

Nas instalações governadas pelo Federal Bureau of Prisons, a agência do Departamento de Justiça responsável pelas prisões federais americanas, o plano inicial é distribuir as primeiras doses a agentes e funcionários. Os detentos seriam incluídos em uma fase posterior, ainda sem previsão.


Brasil ainda não iniciou seu programa de vacinação contra a covid-19, como fizeram os EUA e o Reino Unido(foto: PA Media)
Brasil ainda não iniciou seu programa de vacinação contra a covid-19, como fizeram os EUA e o Reino Unido (foto: PA Media)

No Brasil, o plano nacional de vacinação apresentado na quarta-feira (16/12) pelo Ministério da Saúde incluiu presos entre os grupos prioritários. Eles já estavam entre as categorias prioritárias em um plano preliminar, mas foram posteriormente retirados da lista. Após críticas, voltaram a ser incluídos na versão final.

 

Também terão prioridade trabalhadores de saúde, educação e transporte, idosos, funcionários do sistema carcerário, membros de forças de segurança e salvamento, pessoas com comorbidades e com deficiência severa, indígenas, populações quilombolas, ribeirinhas e em situação de rua. Esses grupos serão vacinados em etapas, mas ainda não há cronograma final.

Surtos em prisões

As prisões americanas estiveram no centro de alguns dos maiores surtos registrados ao redor do país desde o início da pandemia, com cerca de 250 mil casos e 1.657 mortes entre a população carcerária e mais de 62 mil casos confirmados e 108 mortes entre funcionários.

 

Os Estados Unidos têm a maior população carcerária per capita do mundo, com cerca de 2,3 milhões de detentos em prisões federais e estaduais e outros centros de detenção. Entre eles, cerca de 500 mil estão presos enquanto aguardam julgamento, sem terem sido condenados por nenhum crime.

 

No Brasil, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), há cerca de 760 mil presos, com 39.905 casos confirmados e 126 mortes por covid-19. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há ainda cerca de 12,5 mil casos e 90 mortes entre servidores no sistema prisional. Mas os números podem ser maiores, devido a fatores como o índice de testagem.

 

No ambiente superlotado das prisões, onde os detentos compartilham dormitórios, refeitórios e banheiros, é impossível manter o distanciamento social recomendado para evitar o contágio pelo coronavírus.


Muitos presídios sofrem com falta de material básico, como máscaras, luvas e sabonetes(foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Muitos presídios sofrem com falta de material básico, como máscaras, luvas e sabonetes (foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Além disso, muitas vezes há escassez de testes, de equipamentos de proteção, como máscaras, e de artigos de higiene. Nos meses iniciais da pandemia, algumas prisões americanas registravam falta de sabonete para lavar as mãos.

 

Grande parte dos presos nos Estados Unidos tem comorbidades, como diabetes, asma ou doenças cardíacas, e muitos são idosos, o que aumenta o risco de complicações e morte por covid-19. A falta de acesso a cuidados médicos adequados também é comum, o que agrava a situação.

 

Segundo estudo da Comissão Nacional sobre Covid-19 e Justiça Criminal, ligada ao centro de pesquisas Council on Criminal Justice (Conselho sobre Justiça Criminal), presos nos Estados Unidos têm quatro vezes mais chance de serem infectados pelo coronavírus do que a população geral. A taxa de mortalidade é duas vezes maior.

Vacinação nos EUA

As primeiras doses da vacina contra a covid-19 começaram a ser distribuídas nos Estados Unidos na segunda-feira (14/12), mas ainda são escassas, e sua disponibilidade deverá permanecer limitada por meses.

 

A vacina é aplicada em duas doses, e estima-se que até o fim deste ano cerca de 20 milhões de pessoas poderão ser imunizadas, número pequeno diante de uma população de 330 milhões e de uma doença que já infectou mais de 17 milhões e deixou mais de 300 mil mortos no país.

 

Profissionais de saúde e idosos em casas de repouso serão os primeiros a receber as doses. Depois disso, cada Estado decidirá como será a distribuição para o restante da população, incluindo os presos. Diversas entidades médicas recomendam que os Estados incluam detentos entre os grupos prioritários.

 

A Associação Médica Americana (AMA), maior associação de médicos nos Estados Unidos, divulgou em novembro sua política oficial em relação à pandemia, na qual ressalta o alto risco para presos, imigrantes em centros de detenção e agentes que trabalham nesses locais.

 

"Esses indivíduos devem ter prioridade no acesso a vacinas seguras e eficazes contra a covid-19 nas fases iniciais de distribuição", afirma a associação. "Ao longo da pandemia de covid-19, vimos que o vírus se propaga rapidamente em populações de alta densidade, particularmente em unidades correcionais."

Congresso

Um relatório das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos, elaborado por um comitê de mais de 20 especialistas e divulgado em outubro, traz recomendação semelhante.

 

Segundo o documento, presos com mais de 65 anos deveriam ser incluídos na primeira fase de vacinação, atrás de profissionais de saúde e ao lado de moradores de casas de repouso e pessoas com comorbidades.

 

O restante da população carcerária e agentes penitenciários deveriam ser incluídos na segunda fase, ao lado de idosos e pessoas que trabalham em ambientes de risco, como escolas, transporte público e na cadeia de suprimento de alimentos. Os autores dizem que as recomendações são "guiadas por evidências para maximizar benefícios à sociedade".

 

Nesta semana, 26 congressistas americanos enviaram uma carta ao CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde) e ao Federal Bureau of Prisons manifestando preocupação e pedindo esclarecimentos sobre os planos para vacinar os detentos.

Na carta, os parlamentares ressaltam que o coronavírus está se espalhando "quatro vezes mais rápido nas prisões do que entre a população geral".

Ideia impopular

Mas, apesar dos argumentos do ponto de vista ético e de saúde pública, a ideia de vacinar presidiários antes de pessoas que não cometeram crimes não costuma ser popular politicamente.

 

Um exemplo recente é o caso do Colorado, onde já foram registrados vários surtos de covid-19 em prisões e onde os quase 6 mil casos entre detentos representam uma taxa de casos 720% maior do que a verificada na população geral. Mais de mil agentes penitenciários também já foram infectados no Estado.


Coronavírus matou mais de 1,6 milhão de pessoas desde o início da pandemia(foto: Getty Images)
Coronavírus matou mais de 1,6 milhão de pessoas desde o início da pandemia (foto: Getty Images)

Em outubro, o Departamento de Saúde do Colorado havia divulgado um plano preliminar segundo o qual pessoas que vivem em locais onde há aglomeração (entre eles abrigos para moradores de rua, dormitórios de universidades e prisões) estariam entre as primeiras a serem imunizadas, logo após trabalhadores do setor de saúde e residentes de lares de idosos.

 

Enquanto presidiários estavam no grupo de prioridade 2A, indivíduos na população geral considerados de alto risco, como pessoas com comorbidades, estavam no grupo 2B.

 

Mas o plano imediatamente gerou críticas, principalmente por parte de políticos e veículos de imprensa conservadores, que passaram a dizer que "assassinos e estupradores" receberiam a vacina antes de "avós". No início deste mês, o governador democrata Jared Polis acabou rejeitando a recomendação de seu próprio Estado.

 

"De jeito nenhum (a vacina) irá para prisioneiros antes de pessoas que não cometeram nenhum crime", disse o governador, esclarecendo apenas que presos com mais de 65 anos deverão receber a vacina ao mesmo tempo que o restante da população nessa faixa etária.

Estigma

Caplan, da Universidade de Nova York, salienta que a população carcerária costuma ser estigmatizada, e que muitas pessoas não acham que os presos merecem receber a vacina.

 

"Não estou dizendo que morro de amores por todos os prisioneiros. Mas simplesmente ressaltando que há uma ampla gama de pessoas na prisão. Em muitos países, você poderia argumentar que elas não deveriam estar presas", afirma.

 

Caplan observa que muitas pessoas estão presas sem terem ainda sido condenadas por qualquer crime. Outras estão na prisão por crimes menores e sem violência. Em alguns países, há prisioneiros políticos.

 

"E há outras pessoas que estão presas por crimes graves. Mas, diante da questão se prisioneiros devem ser vacinados, as pessoas não deveriam pensar que são todos assassinos em série. Isso simplesmente não é verdade", observa.

 

"Em segundo lugar, as pessoas na prisão não receberam sentença de morte. Elas têm direito de receber cuidados de saúde", afirma Caplan.

 

Depois que a vacina estiver disponível, restará a questão sobre o percentual de presos dispostos a serem imunizados. Entre a população geral americana, pesquisa Gallup deste mês indica que 63% pretendem ser vacinados. Especialistas apontam para a desconfiança que muitos presos têm em relação ao governo.

 

"É muitas vezes difícil para os presos confiar que um local que é fundamentalmente ruim para a sua saúde será capaz de cuidar da sua saúde", afirma Lopez.

 

"Alguns talvez irão recusar (a vacina). Mas acho que muitos irão aceitar, depois de terem visto tantas pessoas que conhecem na prisão morrer (em decorrência da covid-19)."



(foto: BBC)
(foto: BBC)

(foto: BBC)
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