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Estado de Minas

STF limita MP de Bolsonaro e decide que agentes públicos podem ser punidos por atos que contrariem ciência

Maioria do Supremo estabeleceu critérios que restringem proteção a agentes públicos durante pandemia.


postado em 22/05/2020 07:53 / atualizado em 22/05/2020 10:54

Nesta quinta-feira (21), STF estabeleceu critérios que limitam a aplicação de uma MP editada pelo presidente Jair Bolsonaro sobre atos de agentes públicos durante pandemia de coronavírus(foto: EVARISTO SA/AFP)
Nesta quinta-feira (21), STF estabeleceu critérios que limitam a aplicação de uma MP editada pelo presidente Jair Bolsonaro sobre atos de agentes públicos durante pandemia de coronavírus (foto: EVARISTO SA/AFP)


O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (21/05) que agentes públicos poderão ser punidos nas esferas civil e administrativas caso adotem medidas durante a pandemia de coronavírus que contrariem critérios técnicos e científicos das autoridades reconhecidas nacionalmente e internacionalmente, como a Organização Mundial de Saúde (OMS).


Na avaliação da maioria dos ministros, medidas desse tipo e atos que atentem contra a saúde, a vida e o meio ambiente poderão ser consideradas "erros grosseiros", possibilitando a punição.

Com essa decisão, o Supremo estabeleceu critérios que limitam a aplicação de uma medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, a MP 966. Essa MP estabeleceu que agentes públicos só poderão ser punidos na esfera civil e administrativa por atos cometidos no enfrentamento da pandemia do coronavírus quando agirem com dolo (intenção) ou cometerem erro grosseiro.

O STF julgou nesta quinta-feira sete ações apresentadas por partidos e entidades que pediam a derrubada da MP 966, por entender que ela seria um salvo-conduto para ações ilegais de agentes públicos durante a pandemia. A Corte manteve a MP, mas definiu critérios para o que será considerado "erro grosseiro", evitando que decisões contrárias a critérios científicos estejam livres de punições.


A medida provisória ainda deverá ser analisada pelo Congresso, que pode aprová-la com o mesmo texto enviado pelo presidente, com algumas modificações, ou rejeitá-la. Uma alteração do texto que contrarie a decisão do STF pode levar a novos questionamentos na Corte.

Durante o julgamento, ministros fizeram críticas a decisões que não seguem critérios científicos. Em seu voto, Gilmar Mendes fez referência à polêmica posição do presidente Bolsonaro de incentivar as pessoas diagnosticadas com covid-19 a usarem cloroquina ou hidroxicloroquina como tratamento.


Embora não haja comprovação científica da eficácia desse medicamento no tratamento da doença, o Ministério da Saúde alterou essa semana o protocolo de orientação do uso da substância em caso de covid-19. O objetivo do governo é incentivar o uso da cloroquina em pessoas contaminadas pelo coronavírus, ainda no estágio inicial da doença.


O protocolo prevê que o paciente que aceitar o uso da cloroquina deve assinar um termo dizendo estar ciente dos efeitos colaterais que a cloroquina pode provocar, entre eles a morte, e de que não há garantia da eficácia do medicamento.


"Quero ressaltar a importância das decisões tomadas por gestores durante a pandemia se fiarem ao máximo em standards (padrões) técnicos, em especial aqueles decorrentes de normas e critérios científicos aplicados à matéria, entre elas as orientações da Organização Mundial da Saúde. Não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína, não é disso que se cuida", afirmou Mendes, em referência à declaração jocosa de Bolsonaro de que pessoas de direita tomariam cloroquina e as de esquerda, tubaína (um refrigerante).

"Caso um agente público conscientemente adote posição contrária às recomendações técnicas da OMS, entendo que isso poderia configurar verdadeira hipótese de imperícia do gestor, apta a configurar erro grosseiro.

A Constituição não autoriza o presidente da República ou a qualquer outro gestor público a implementação de uma política genocida na questão da saúde", disse ainda Mendes.

Votaram para limitar a MP 966 os ministros Luís Roberto Barroso (relator das ações), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Marco Aurélio Mello votou para rejeitar as ações, por entender que a Corte deveria aguardar a análise da MP pelo Congresso. Celso de Mello não participou do julgamento.


"Propinas, superfaturamentos ou favorecimentos indevidos são condutas ilegítimas com ou sem pandemia. Portanto, crime não está protegido por essa MP. Qualquer interpretação que dê imunidade a agentes públicos por atos ilícitos ou de improbidade ficam desde logo excluídos", disse Barroso, ao votar.

MP trata de medidas econômicas e na área da saúde

O texto enviado por Bolsonaro ao Congresso estabelece que agentes públicos só poderão ser punidos na esfera civil e administrativa por atos cometidos no enfrentamento da pandemia do coronavírus quando agirem com dolo (intenção) ou cometerem erro grosseiro. A previsão vale tanto para ações na área de saúde, como para medidas que buscam reduzir os impactos econômicos da doença.


A versão do governo prevê ainda que deve ser considerado erro grosseiro "o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia".


Parlamentares de oposição acusaram a MP de ser uma tentativa do presidente de blindar a si mesmo e agentes públicos de serem responsabilizados por má gestão de recursos ou condução inadequada de políticas públicas na pandemia(foto: Reuters)
Parlamentares de oposição acusaram a MP de ser uma tentativa do presidente de blindar a si mesmo e agentes públicos de serem responsabilizados por má gestão de recursos ou condução inadequada de políticas públicas na pandemia (foto: Reuters)

Além disso, estabelece que devem ser considerados para a identificação do erro grosseiro na conduta do agente público durante a pandemia "os obstáculos e as dificuldades reais do agente público", "a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público", "a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência", e "as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público."


Com a decisão do STF desta quinta-feira, essas condições para identificar o "erro grosseiro" não servirão para impedir punições no caso de atos que deixem de seguir critérios técnicos e científicos.

Quando a MP 966 chegou ao Congresso, parlamentares de oposição criticaram a medida como uma suposta tentativa do presidente de blindar a si mesmo e agentes públicos em geral de serem responsabilizados por má gestão de recursos ou condução inadequada de políticas públicas na pandemia.

"Bolsonaro não é só aliado do vírus, é aliado da corrupção, de criminosos e predadores do erário!", escreveu no Twitter o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos que protocolou um pedido ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para devolver a medida provisória ao presidente.


Já o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, disse ao jornal Estado de S.Paulo que a MP vai estimular uma "pandemia de mal-intencionados".

Por que agentes são protegidos de punição em caso de erros grosseiros?

Apesar da forte reação de autoridades, especialistas em direito público ouvidos pela BBC News Brasil quando a MP 966 foi enviada ao Congresso disseram que a medida provisória está em linha com a legislação brasileira já em vigor, que protege os agentes públicos de serem punidos em caso de erros que não sejam intencionais ou muito graves.


É o que diz o artigo 28 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: "O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro".

Já o artigo 22 dessa mesma lei prevê que, "na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados."


Segundo Patrícia Sampaio, professora da FGV Direito Rio, a proteção garantida pela lei brasileira serve para impedir que gestores públicos bem intencionados fiquem com medo de tomar decisões.


"Essa medida provisória é aderente às normas que já existiam. É importante dar um conforto para o gestor de boa fé. Em nenhum momento essa MP me parece que está afastando a responsabilidade do gestor de má fé, do gestor mal intencionado, do gestor que vai cometer atos de corrupção", afirma Sampaio.


"A norma se aplica do Presidente da República ao chefe de uma unidade hospitalar, por exemplo. Esse gestor pode ter que decidir se faz uma contratação de emergência ou não no seu hospital e talvez não tenha tempo de conseguir o melhor preço do mercado", exemplifica a professora da FGV.


Mesmo antes do julgamento do STF, a professora considerou que a nova norma não seria capaz de proteger o governo de Jair Bolsonaro na hipótese de o Ministério da Saúde tomar medidas que contrariem pesquisas científicas.


"Se o Ministério da Saúde baixar uma recomendação ou determinação que não esteja baseada em estudos clínicos comprovados, não me parece que o contexto de incerteza das medidas adotadas na pandemia vai poder servir de escudo para a não responsabilização", afirmou.


Apesar de não ver risco na nova MP no sentido de proteger indevidamente agentes públicos, Sampaio considera que a norma é "desnecessária" e acaba gerando contestação devido ao momento político.

"Novas normas que vêm dizer a mesma coisa que outras já existentes podem trazer insegurança jurídica justamente porque as pessoas começam a tentar encontrar a razão de expedir uma nova norma", nota ela.

Procurador aponta 'descalabro' na aplicação dos recursos contra pandemia


O procurador Marinus Marsico diz que, na atual pandemia, estão 'ocorrendo gastos absolutamente despropositados'(foto: Getty Images)
O procurador Marinus Marsico diz que, na atual pandemia, estão 'ocorrendo gastos absolutamente despropositados' (foto: Getty Images)

O procurador Marinus Marsico, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), disse à BBC News Brasil que "nada mudará" no seu trabalho caso a medida provisória seja aprovada pelo Congresso.


Segundo o procurador, está ocorrendo um "descalabro" em mau uso de recursos públicos durante a pandemia, quando aquisições foram liberadas sem licitação, mas ele diz que é possível punir os agentes públicos porque são decisões que se enquadram em "erro grosseiro".

"Eu nunca responsabilizaria alguém, nem acho que qualquer gestor deva ser responsabilizado, por estar no meio de uma pandemia e ter que tomar uma decisão que se reveste de caráter de urgência. Mas o que eu tenho observado é que estão ocorrendo gastos absolutamente despropositados", disse à BBC News Brasil.


Na semana passada, Marinus Marsico abriu uma investigação sobre um contrato de R$ 144 milhões entre o Ministério da Saúde e uma empresa de assistência hospitalar para os serviços de aconselhamento, informações, monitoramento e triagem de casos suspeitos da covid-19 por atendimento telefônico.


Segundo a representação movida pelo MP-TCU, há indícios de superfaturamento no contrato, já que o custo por cada atendimento estava previsto em R$ 5,80 inicialmente, mas, ao longo do processo, subiu para R$ 21.


Para o procurador, esse caso, por exemplo, representa erro grosseiro porque não teria havido sequer uma pesquisa rápida para comparar preços de fornecedores.


"Quando num processo você vai procurar uma empresa para fazer um serviço de telemedicina, mesmo com a dispensa de licitação, você é obrigado a procurar opções, fazer uma minipesquisa. O gestor diz que simplesmente não conhece nenhuma empresa e que o sistema (para comparação) de preços do Ministério da Economia estava fora do ar para consulta", ressalta ele.


"Isso não é justificativa para dizer que não existe outra empresa. Se você procura é justamente porque você não conhece outras empresas. E se o sistema de consulta de preços está fora do ar, você espera voltar e faz a consulta. São erros grosseiros como esse que têm ocorrido, completamente injustificáveis", argumenta.


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