Jornal Estado de Minas

WASHINGTON

'Desinfluência' ou a arte do tutorial depreciativo

Valeria Fride exibe o tubo de um brilho labial enquanto testa o produto em frente à câmera, mas, em vez elogiá-lo, ela o critica, afirmando ser "muito pegajoso" e "muito caro", sem cor o suficiente.



"Não funcionou para mim", diz a jovem de 23 anos.

O vídeo, publicado no TikTok, utiliza todos os códigos dos influenciadores, no entanto, tem o objetivo contrário: desencorajar a compra do produto.

"É uma versão honesta do que vemos todos os dias nas redes sociais", diz Fride à AFP.

A tendência chamada "desinfluência" se popularizou tanto que no final de março, sua hashtag atingiu mais de 430 milhões de visualizações no popular aplicativo de vídeos, onde é possível encontrar encontrar todo o tipo de conteúdo sobre, por exemplo, quais sabonetes não comprar por serem muito caros, ou quais halteres não escolher se você é iniciante no uso de pesos.

Para alguns, os "desinfluenciadores" são uma resposta à inflação crescente, ou até mesmo um movimento contra o consumismo: basicamente, não compre coisas que não valem o que custam.

"Você realmente precisa de 25 perfumes diferentes? Vai realmente usar todos eles?", questionou um usuário do TikTok em um vídeo com a hashtag.



Entretanto, há quem diga que estes influenciadores continuam fazendo o mesmo de antes, mas com outro nome.

Fride admite que inicialmente ficou "muito assustada" com a forma como algumas marcas responderiam às suas novas táticas.

"Espero que não me odeiem", disse ela à sua mãe quando um de seus vídeos viralizou. Mas, a prática acabou levando a novas colaborações com empresas que apreciavam as críticas negativas a suas concorrentes.

A jovem afirma que este é um sinal de que as empresas "querem uma crítica mais diversificada".

- 56 pares de sapatos -

Jessica Clifton, uma influenciadora americana de 26 anos, afirma que se identificou com a nova tendência.

Há alguns anos, ela reconheceu o impacto que seu consumo estava tendo no meio ambiente à medida que recebia roupas novas praticamente todos os dias, além de diversos itens de maquiagem, como bases e batons.

"Eu nem sei me maquiar", admitiu à AFP, acrescentando que percebeu que tinha 56 pares de sapatos. "Eu pensei, 'meu Deus, como cheguei a isso?'".

A jovem criou, então, uma conta no TikTok dedicada ao consumo responsável e, desde então, já publicou alguns vídeos com a hashtag "desinfluência".



Mas ela logo notou que o conteúdo não era para conter o consumo, mas para levar pessoas a "comprar um produto em detrimento de outro", o que fortaleceu sua decepção com o movimento e a ideia de que os influenciadores estão apenas procurando novos seguidores.

- Autenticidade -

Ao fazer uma busca rápida pela hashtag no aplicativo, é possível ver que Clifton não é a única que ficou decepcionada com o movimento da "desinfluência".

Lia Haberman, especialista em marketing de influenciadores digitais, diz que ver esta nova tendência como uma rejeição à cultura do consumo é um erro.

"Não foi assim que surgiu a tendência", contou à AFP.

A Tubular Labs, empresa que faz análises e métricas de redes sociais, diz que o movimento - que ganhou destaque em janeiro passado - surgiu em setembro de 2022, graças a uma certa Maddie Wells.



Wells não é exatamente uma ativista. A influenciadora simplesmente se valeu de sua experiência em lojas de cosméticos para explicar por que os clientes estavam insatisfeitos com determinados produtos.

Seus vídeos não eram "realmente juízos de valor", explica Haberman.

Para Americus Reed, professor de marketing da Wharton School of Business da Universidade da Pensilvânia, os influenciadores "não são mais vistos como autênticos" pelo público, que sabe que são pagos para promover produtos. Já um "desinfluenciador", pelo menos por enquanto, é considerado mais honesto.

"É uma maneira de se destacar", diz Reed, embora admita que, no final, "um 'desinfluenciador' ainda é um influenciador".