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Boris Johnson, um premiê em desgraça: especialistas veem fim próximo

Em pouco mais de 24 horas, líder enfrenta renúncia de 44 ministros e assessores e vê aliados pedirem sua saída.Mas diz que fica no cargo


07/07/2022 04:00 - atualizado 06/07/2022 23:28

Boris Johnson
Boris Johnson se agarra ao cargo de primeiro-ministro e afirma que vai se concentrar "nos assuntos de grande importância que o país enfrenta" (foto: Jessica Taylor/Parlamento do Reino Unido/AFP )

 

Brasília – Há 1.079 dias no poder, Boris Johnson enfrenta a pior fase de seu governo: uma revolta sem precedentes entre os próprios aliados, em meio a uma crise moral, ética e política. Até o fechamento desta edição, 15 ministros e 29 assessores tinham renunciado desde terça-feira. Uma delegação de ministros experientes, como Priti Patel (Interior) e Grant Shapps (Transporte), se reuniu com o premiê e tentou convencê-lo, sem sucesso, a abandonar o cargo. Johnson se manteve irredutível e prometeu continuar no comando do Reino Unido. De acordo com fontes de Downing Street, sede do governo, o líder conservador afirmou que se concentrará "nos assuntos de grande importância que o país enfrenta".

 

No fim da noite, Johnson sofreu três novos golpes. Michael Gove, ministro da Habitação e um de seus príncipais conselheiros políticos, foi destituído do posto depois de pedir a saída do premiê. A procuradora-geral, Suella Braverman admitiu que "chegou a hora de o primeiro-ministro partir". O ministro da Saúde, Ed Argar, somou-se aos revoltosos e abandonou o cargo. Foi o 15º ministro a se demitir – o maior número em 90 anos. James Duddridge, secretário particular parlamentar do premiê, disse à rede de tevê CNN que Johnson estava "lutando por achar que pode vencer".

 

O líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, acusou o primeiro-ministro de apresentar um "espetáculo patético no último ato de sua carreira política". O novo inferno astral de Johnson começou na noite de terça-feira, quando os ministros Sajid Javid (Saúde) e Rishi Sunak (Finanças) anunciaram seus pedidos de demissão. Dessa vez, a gota d'água foi a nomeação do conservador Chris Pincher para um cargo parlamentar importante. Pincher renunciou, na semana passada, depois de confessar que apalpou dois homens, entre eles um deputado, em um clube privado do Centro de Londres. Também admitiu que estava embriagado. Downing Street informou que Johnson tomou conhecimento de acusações anteriores contra Pincher em 2019, mas que tinha se "esquecido" delas.

 

O primeiro-ministro (de costas) é interpelado por comitê da Câmara dos Comuns no Parlamento: para especialistas, saída é questão de tempo
(foto: PRU/AFP)

 

“ESTÁ ACABADO” Especialistas praticamente deram por encerrado o governo de Johnson. "As possibilidades de Boris Johnson permanecer no poder são perto de zero. Está claro que quase todos os integrantes de sua bancada parlamentar decidiram que é o momento de ele renunciar. Agora, precisam comunicar essa mensagem a ele de modo que Johnson não possa mais resistir. Creio que sua partida seja mais uma questão de horas ou dias do que de semanas", afirmou Andrew Blick, diretor do Departamento de Economia Política do King's College London. "A verdadeira questão é que o Partido Conservador se opõe, de forma esmagadora, à sua continuidade como primeiro-ministro; as renúncias ministeriais são uma manifestação dessa tendência", acrescentou. "Boris Johnson está acabado. Talvez sua saída ocorra hoje, talvez em poucos dias ou semanas", aposta Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham.

 

O especialista britânico explicou que Johnson perdeu a confiança do próprio partido e do país. "As 44 renúncias no governo indicam que ele está condenado. Quanto mais ele esperar, mais reforçará a visão de que suas mentiras foram um sintoma do fato de que ele perdeu todo o contato com a realidade", disse. De acordo com Glees, o primeiro-ministro carece de autoridade e não pode mais tomar decisões. "Sua longa litania de mentiras significa que ninguém mais crê em uma palavra do que ele diz. Não há meios de Johnson recuperar isso", admitiu.

 

"Os próximos dias revelarão quem pode assumir o poder, se o governo continuará com a fantasia maluca de um Brexit (divórcio da União Europeia) duro ou se o novo premiê tentará construir uma nova relação com o bloco."Por sua vez, Nick Turnbull – professor de política da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Manchester – afirmou que a renúncia em massa registrada nas últimas horas é algo raramente visto na política britânica. "Ela indica que grande parte da bancada parlamentar não apenas perdeu a confiança no primeiro-ministro. Muitos parlamentares simplesmente não querem estar associados a um governo conduizido por Johnson. A demissão de Gove é uma punição direta por deslealdade. O premiê está atacando e fazendo o que pode para manter a autoridade."

 

Turnbull entende que os esforços de Johnson para se agarrar ao poder são um presente para o Partido Trabalhista. Segundo ele, o governo está caindo aos pedaços. "Quanto mais o premiê tentar se manter no cargo, mais apoio eleitoral será transferido para os trabalhistas e os liberais-democratas. Os membros do Partido Conservador não permitirão que isso continue", concluiu.

 

Os motivos da revolta conservadora

 

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» "Partygate"

Durante o lockdown imposto pelo próprio Boris Johnson, ocorreram festas de Natal, despedidas, aniversários e celebrações no jardim de Downing Street — sede do governo e residência oficial do premiê. O escândalo foi batizado como "Partygate". A Scotland Yard (Polícia Metropolitana) investigou e emitiu 126 multas, entre elas a Johnson, o primeiro líder em exercício sancionado por infringir a lei. Johnson disse assumir "toda a responsabilidade", mas se negou a renunciar e sua legitimidade foi afetada.

 

» Conflito de interesse

As lucrativas atividades de lobby de alguns deputados conservadores provocaram indignação. O deputado Owen Paterson foi acusado de fazer lobby junto ao governo em nome de duas empresas que lhe pagaram. Johnson tentou mudar as regras para evitar que ele fosse suspenso do Parlamento e recebeu uma avalanche de críticas que o forçaram a recuar.

 

» Luxuosas obras em seu apartamento

O primeiro-ministro afirmou que pagou de seu bolso a luxuosa reforma do apartamento oficial em que mora com a família, em Downing Street. No entanto, recebeu uma doação, que posteriormente teve que devolver, de um rico simpatizante do Partido Conservador, que foi multado pela comissão eleitoral por não declará-la.

 

» Gestão da pandemia

No início da pandemia, Johnson foi duramente criticado por sua gestão equivocada, acusado de não agir rápido o suficiente e não proteger os profissionais da saúde e os pacientes de lares de idosos. Grande parte de seus próprios deputados conservadores se rebelou, votando contra a introdução de um passaporte sanitário para acessar grandes eventos, que acabou sendo aprovado graças aos votos da oposição trabalhista. No entanto, Johnson conseguiu contornar as críticas sobre sua gestão da covid-19 apoiando-se em uma campanha de vacinação bem-sucedida.

 

» Crise pelo custo de vida

A inflação descontrolada, que atingiu um recorde de 40 anos no Reino Unido, chegando a 9% anuais em maio, afetou a popularidade do governo, acusado de não fazer o suficiente para ajudar as famílias que lutam para sobreviver no fim do mês. Nadhim Zahawi, que herdou o ministério das Finanças após a renúncia de Rishi Sunak, terá a difícil tarefa de lidar com esta crise do custo de vida.

 

» O escândalo Pincher

Johnson admitiu que cometeu um "erro" ao nomear, em fevereiro, Chris Pincher como vice-líder do grupo parlamentar conservador, encarregado da disciplina de seus deputados. Pincher renunciou na semana passada, após ser acusado de abusar sexualmente de dois homens. Downing Street reconheceu, na terça-feira, que o primeiro-ministro havia sido informado de alegações anteriores contra Pincher em 2019, dizendo que se "esqueceu" delas.

 

Ponto de vista

Única esperança

"Se Boris Johnson pedisse à rainha Elizabeth II a convocação de eleições gerais antecipadas, isso seria amplamente interpretado como abuso constitucional. Causaria danos eleitorais ao Partido Conservador e, quase certamente, colocaria fim à carreira de Johnson, além de danificar ainda mais sua reputação. Como ele não convocará eleições, parece que sua única esperança é a de que o partido, por algum motivo, não o remova antes do recesso de verão e que algo aconteça que o tire das atuais dificuldades."

 

Andrew Blick

Diretor do Departamento de Economia Política do King's College London

 

Risco de aniquilação

"Se o Partido Conservador não se livrar rapidamente de Boris Johnson, enfrentará o próprio aniquilamento a partir de suas estruturas internas. Em sua maioria, os cidadãos britânicos são decentes e não se deixarão ser enganados. O primeiro-ministro poderá tentar envolver a rainha Elizabeth II e, na teoria, dissolver o Parlamento para convocar eleições gerais antecipadas. Mas, não acho que isso acontecerá, pois ele não tem mais maioria parlamentar. Não descarto um racha no Partido Conservador."

 

Anthony Glees

Professor emérito da Universidade de Buckingham (Reino Unido)

 

Sem sobrevivência

"Não há chance de Boris Johnson sobreviver como primeiro-ministro. Ele pode se agarrar ao pretexto de que o Comitê de 1922 (do Parlamento) não iniciou uma moção de confiança e que não pode fazê-lo até junho de 2023. No entanto, os parlamentares podem mudar as regras, e manobras estão a caminho para obter os votos nesse sentido. O apoio de Johnson dentro do partido acabou. Sua coalizão eleitoral ruiu nas eleições, com assentos perdidos à esquerda para os trabalhistas e à direita para os liberais democratas."

 

Nick Turnbull

Professor de política da Universidade de Manchester (Reino Unido) 

 

 


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