Brasília – O helicóptero Marine One tinha acabado de pousar no Fort Lesley J. McNair, em Washington, quando o presidente norte-americano, Joe Biden, fez um pronunciamento espontâneo à imprensa. "Tenho um comentário a fazer antes de começar o dia. Vocês se lembram de que fui criticado ao chamar (Vladimir) Putin de criminoso de guerra. Bem, a verdade é que você viu o que aconteceu em Bucha. É um criminoso de guerra", disse o democrata, no retorno de sua casa, em Delaware (Nordeste), ao se referir ao líder russo. "Temos que reunir a informação, (...) temos que ter todos os detalhes para que isso possa ser real — um julgamento de guerra. (...) Isso é um crime de guerra. Ele (Putin) deve ser responsabilizado", acrescentou, ao anunciar que busca mais sanções. Os Estados Unidos e o Reino Unido defendem a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Por sua vez, o conselheiro de Segurança da Casa Branca, Jake Sullivan, declarou que Washinhton e aliados anunciarão ainda "esta semana" novas sanções contra Moscou, que devem se focar no setor de energia.
Segundo a Procuradoria-Geral da Ucrânia, 410 corpos foram encontrados jogados nas ruas de Bucha, cidade situada a 30 quilômetros do Centro de Kiev, depois da retirada das tropas da Rússia. Pouco antes da declaração de Biden, Bucha recebeu a visita de Volodymyr Zelensky e de uma comitiva de parlamentares, além de jornalistas. O presidente da Ucrânia ficou visivelmente emocionado ao observar os rastros de destruição e de mortes na localidade. Zelensky cobrou da comunidade internacional o reconhecimento de um "genocídio" supostamente promovido pelas tropas de Putin.
"São crimes de guerra e serão reconhecidos pelo mundo como genocídio. É muito difícil falar quando você vê o que fizeram aqui. (...) Sabemos de milhares de pessoas mortas e torturadas, com os membros decepados. Mulheres estupradas e crianças assassinadas. Corpos foram encontrados em barris e porões, estrangulados e torturados", disse o líder. "Essa é uma característica dos soldados russos — tratam pessoas pior do que animais. O que vocês viram aqui é um genocídio real."
Hoje, Zelensky fará um pronunciamento ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), reunido exclusivamente para debater Bucha. Não ficou claro se o discurso será ao vivo ou gravado. Em retaliação aos incidentes em Bucha, a França expulsou 35 diplomatas russos, e a Alemanha, 40. O Canadá também denunciou "crimes de guerra e contra a humanidade" e exigiu uma investigação do Tribunal Penal Internacional.
Ontem, cinco cadáveres do sexo masculino foram achados no porão de um hospital infantil. A procuradoria informou que eles tinham as mãos amarradas. "Os soldados das Forças Armadas Russas torturaram e mataram os civis desarmados", denunciou, em nota. Sem fornecer detalhes, a procuradora-geral ucraniana, Iryna Venediktova, assegurou que a situação é ainda pior em Borodyanka, cidade de 13 mil habitantes localizada a 23 quilôme- tros de Bucha. Imagens de satélite divulgadas ontem mostram uma vala comum junto à de Santo André e Pyervozvannoho de Todos os Santos, em Bucha. O prefeito Anatoly Fedoruk disse à agência France-Presse que 280 corpos estavam em valas comuns.
Apesar das evidências, o embaixador da Rússia nas Nações Unidas, Vasily Nebenzya, acusou a Ucrânia de montar uma encenação em Bucha e forjar o suposto massacre, ao classificar os vídeos e fotos de "falsificação bruta". "Os líderes ocidentais já se alinharam para promover essa falsa narrativa", disse. O diplomata também falou em "provocação perversa dos radicais ucranianos".
A ativista de direitos humanos Oleksandra Matviichuk, do Centro para Liberdades Civis (em Kiev), revelou ao Estado de Minas que a entidade para a qual trabalha recebeu dezenas de depoimentos de moradores de Bucha, Irpin e Marakiv, além de vilarejos no entorno da capital, antes mesmo da saída das tropas russas dessas regiões. "Algumas pessoas conseguiram fugir e nos contaram sobre desaparecimentos forçados, violência física e assassinatos de civis. Quando eu vi as fotos e os vídeos de cadáveres de homens, mulheres e crianças jogados nas ruas, com as mãos amarradas às costas, fiquei em choque. Não pude nem sequer dormir", admitiu.
Oleksandra adverte que as violações vistas em Bucha se repetem, neste momento, em cidades controladas pelos soldados de Putin. "A questão não é como documentar os crimes de guerra, mas como pará-los. Precisamos de uma ação preventiva eficaz por parte da comunidade internacional. Precisamos de armas para proteger os civis, caças, defesa aérea e sistemas antitanque, além de sanções mais duras", comentou. A ativista explicou que pretende enviar uma equipe hoje a Borodyanka. Segundo ela, a cidade está tomada por mercenários chechenos.
O jornalista freelancer britânico-libanês Oz Katerji tinha acabado de chegar de Bucha quando falou à reportagem por telefone. "Eu vi uma imensa cova coletiva no meio da cidade. Por todos os lados, havia evidências de violência indiscriminada contra a população civil", relatou.