Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

Ucrânia: guerra agrava crise na economia e pode causar recessão no Brasil

Por ser aliada de primeira hora da Rússia, Belarus já vem sendo impactada pelas sanções impostas ao país de Vladimir Putin. E o efeito é direto no Brasil. Segundo o embaixador Sergey Lukashevich, seu país foi obrigado a suspender as vendas de fertilizantes para o agronegócio brasileiro porque o escoamento foi proibido pela Lituânia, que fechou as fronteiras. "Isso é democracia?", questiona. Belarus reponde por 20% de todos os fertilizantes consumidos pelo Brasil. Sem esses produtos, a oferta vai diminuir e o preço, disparar — no último anos, ficaram 155% mais caros.



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Lukashevich lembra que todos os olhos do mundo estão voltados para seu país, que sediou ontem o primeiro encontro entre negociadores da Rússia e da Ucrânia. Haverá uma segunda etapa de conversas. Na avaliação dele, a  guerra no Leste Europeu tem muito a ver com a forma como se desfez a então União Soviética. Áreas importantes foram doadas para países sem que as pessoas que viviam nelas fossem ouvidas. O resultado são constantes conflitos étnicos nessas regiões. O diplomata afirma que seu país está pronto para receber refugiados da guerra. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

Como o senhor vê as negociações entre Rússia e Ucrânia que estão em andamento em Belarus? Que resultados espera?

Muitas pessoas estão, agora, olhando para o território da Belarus, onde o primeiro passo para soluções mais sérias está sendo dado. Naturalmente, como embaixador da Belarus no Brasil, eu gostaria que os brasileiros vissem meu país como um destino turístico com florestas e lagos azuis e uma deliciosa culinária local. Todos nós esperamos acordos de paz. Esta não é a primeira vez que organizamos conversações de paz sobre a Ucrânia na Belarus. Tivemos negociações sobre Donbas até um certo ponto, desde 2014. O mundo inteiro conhece os acordos de Minsk sobre a Ucrânia, e Minsk é a capital da Belarus.

Qual é a sua opinião sobre a guerra? Será que vai acabar em breve?

A principal razão por trás dos eventos, não só na Ucrânia, mas também na Ossétia do Sul, Abkhazia, Geórgia, Nagorno-Karabakh, está na história: há 30 anos, a União Soviética entrou em colapso. Foi decisão dos líderes das antigas repúblicas soviéticas separar e continuar a viver separadamente. Acontece que os países têm fronteiras exatamente onde a União Soviética as tinha definido. Mas a algumas das ex-repúblicas soviéticas foram dados territórios que antes não lhes pertenciam. Os líderes soviéticos atribuíram territórios que antes pertenciam ou a outras repúblicas ou a outros países. Ninguém olhou para isso na época. Portanto, após o colapso da URSS e a declaração de países novos e independentes, muitos povos começaram a viver em nações onde sua residência poderia levar a uma catástrofe étnica. A União Soviética "lhes deu" novos territórios, e quando esses países deixaram a União Soviética, levaram tudo isso com eles, sem perguntar ao povo, que não estava de acordo com isso. Podemos concordar que a terra pode ser um presente como propriedade, mas as pessoas não podem ser um presente. Esses tempos, graças a Deus, já se foram há muito. Em 1991, quando a URSS entrou em colapso, não só a terra foi dada de presente, mas também as pessoas foram dadas como escravas, sem levar em conta a língua que falavam. Portanto, é notável quando se argumenta que a razão da morte de pessoas nas regiões conturbadas da URSS, acima mencionadas, foi ignorar a vontade do povo. Sabe, não sou um profeta, gostaria de lhe dar uma resposta sobre quando as operações militares perto da fronteira da Belarus terminarão, mas é impossível neste momento. De nossa parte, como país, demos a oportunidade de iniciar negociações sobre esta questão em Belarus. Este é um passo importante e concreto de nossa parte.



A Belarus está envolvida na guerra?

Não estamos envolvidos na guerra, as ações militares estão ocorrendo perto de nossas fronteiras. É importante que não haja soldados bielorussos na Ucrânia, nenhum veículo militar bielorusso no estado vizinho, nenhuma bala bielorussa voando contra as pessoas.

O país será submetido a sanções como a Rússia?

É cada vez mais surpreendente olhar para os países que se consideram modelos de democracia, professores de todos os professores. Pensam que são aqueles de quem o mundo inteiro deve tomar como exemplo em todos os assuntos. Os contornos da União Soviética estão se tornando cada vez mais visíveis nestas uniões, já que havia muitas coisas boas na URSS: medicina e educação gratuita, povo sem desemprego. A ditadura da democracia é uma frase que eu não inventei, mas não poderia ser mais apropriada para o período contemporâneo do desenvolvimento humano. Como se pode promover a democracia por meios não-democráticos? Obviamente, a punição é uma sanção, a fim de destruir os países que não gostam, no caso em que as medidas militares não podem ser aplicadas. Sim, você está certo, Belarus tem sanções que têm seu impacto direto sobre o Brasil.

Como o Brasil é afetado?

O potássio bielorrusso, que representa 20% do mercado brasileiro, é agora impossível de ser entregue aos consumidores brasileiros, porque a Lituânia "democrática", nosso vizinho do norte com seus 2,7 milhões de habitantes, proibiu o trânsito de nosso potássio para o Brasil, com seus 214 milhões de habitantes, sob slogans "democracia". Esta não é uma maneira elegante de privar o Brasil de fertilizantes para soja, milho e café. Aumenta a fome neste país e diminui a vantagem competitiva dos produtos agrícolas do Brasil nos mercados mundiais.



A Belarus aceita refugiados?

Sim, aceitamos refugiados. Não apenas nossos próprios cidadãos estão retornando urgentemente a Belarus, mas também cidadãos da Ucrânia que acharam por bem fazê-lo. Somente em 27 de fevereiro de 2022, cerca de 70 judeus hassídicos entraram em Belarus vindos da Ucrânia e permaneceram em Pinsk. Existe um regime simplificado para atravessar a fronteira entre a Ucrânia e a Belarus. Os ucranianos não precisam de visto para entrar em Belarus, nem os cidadãos brasileiros. O lado brasileiro não nos solicitou ajuda para a evacuação de seus cidadãos, embora a distância de Kiev até a fronteira da Belarus seja de cerca de 200 quilômetros.