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Estado de Minas BUENOS AIRES

Há 20 anos, Argentina mergulhava na pior crise de sua história


16/12/2021 17:59

A Argentina viveu há 20 anos a pior de suas crises econômicas e políticas, com o maior default da história, o colapso da taxa de câmbio fixo, o confisco de depósitos bancários e um presidente que fugiu de helicóptero em meio a uma revolta popular.

As cicatrizes daquele trauma são perceptíveis ainda hoje em uma desconfiança generalizada com os dirigentes políticos, contra os quais a população pedia aos gritos, em 2001, "Vão embora todos!". Cerca de 40 pessoas morreram baleadas por policiais em manifestações e saques.

A queda do governo conservador de Fernando de la Rúa ocorreu em meio a um vácuo de poder, após a explosão da âncora cambiária de um dólar igual a um peso, um modelo que, juntamente com as privatizações e a abertura comercial descontrolada, deram uma falsa ilusão de prosperidade a um país empobrecido.

Milhares de pessoas correram para os supermercados para saquear alimentos, um contraste brutal com a época em que muitos argentinos compravam itens importados de luxo, graças ao peso sobrevalorizado.

O ano de 2001 entrava na memória coletiva. "Houve uma sensação de forte orfandade, desconfiança com as instituições, o Estado e os bancos", disse à AFP o historiador Felipe Pigna.

Os poupadores pediam, com gritos e panelaços, a devolução do seu dinheiro bloqueado nos bancos no 'corralito', instrumentalizado pelo ministro da Economia Domingo Cavallo em busca de evitar o colapso do sistema bancário.

Enquanto as pessoas repetiam nas ruas "Chorros, chorros, devuelvan los ahorros!" (Ladrões, ladrões, devolvam a poupança), batiam com martelos nas portas abaixadas dos bancos.

Cavallo tinha sido ministro do peronista de direita Carlos Menem (1989-1999). Foi o pai da "Conversibilidade" de um por um, que durou dez anos até que explodiu no colo de De la Rúa.

"Dos 77.000 dólares que tinha no banco, no 'corralito' perdi 40.000. Aquele dezembro foi terrível, tinha confusão por todos os lados", evocou à AFP o analista de sistemas Ricardo Lladós, de 71 anos.

- Um país incendiado -

"Sente-se um gosto agridoce de 2001: por um lado, a tragédia total e por outro, a reação sadia das pessoas por conta própria, tentando reconstruir uma situação desastrosa, catastrófica", disse Pigna.

"Lembro com muita tristeza de ver a oficina parada", contou à AFP Fernando Soto, de 57 anos, na época chefe de uma metalúrgica.

Um estudo científico mostrou que entre 1999 e 2002 houve cerca de 20.000 mortes por problemas cardíacos a mais do que o habitual na Argentina.

Em meio ao incêndio, De la Rúa decretou estado de sítio em 19 de dezembro. A polícia montada avançou contra as Mães da Praça de Maio, que buscam seus filhos desaparecidos durante a ditadura. Foi como jogar lenha na fogueira. Centenas de milhares foram às ruas.

"A lembrança é de sangue, dor e o estado de sítio, que é coisa de uma ditadura", refletiu Pigna.

De la Rúa, da ala conservadora da social-democrata União Cívica Radical (UCR), renunciou e fugiu em um helicóptero da Casa Rosada, cercada por manifestantes, ao entardecer de 20 de dezembro.

"Abandonou o barco em uma crise inédita, com enorme custo social, aumento geométrico da pobreza (57%) e desemprego (20%) e milhões de afetados com a (posterior) desvalorização" do peso, explicou à AFP o acadêmico Pablo Tigani, mestre em Política Econômica Internacional.

A dívida pública era impagável. Nomeado presidente pelo Congresso, o peronista Adolfo Rodríguez Saá declarou, entre vivas, o maior default da história de 100 bilhões de dólares (70% do passivo). Durou uma semana no poder.

Outro presidente peronista de direita, Eduardo Duhalde, assumiu o cargo e convocou eleições antecipadas. Assim surgiu um presidente também peronista, mas situado mais à esquerda, Néstor Kirchner (2003-2007), que iniciou uma era que continuou com dois mandatos de sua esposa, a hoje vice-presidente Cristina Kirchner.

Durante este período, a Argentina cancelou a dívida que tinha com o FMI em um pagamento de 9,5 bilhões de dólares e reestruturou bônus com apoio de 93% dos credores. O restante foi devolvido em julgamentos como "fundos abutre", que compararam a dívida já em default e litigaram nos Estados Unidos para conseguir pagamentos e lucros.

- Dívida e inflação crônicas -

A Argentina, em meio a uma nova crise monetária, voltou a pedir ajuda ao FMI durante o mandato do liberal Mauricio Macri (2015-2019). Recebeu o maior empréstimo que o organismo já concedeu a um país: 57 bilhões de dólares, dos quais desembolsou US$ 44 bilhões.

Macri sustentou que os recursos foram usados para pagamentos a bancos privados que avaliavam deixar o país, para que recuperassem investimentos.

A Argentina tem vencimentos de 20 bilhões de dólares ao ano em 2022 e 2023, e suas reservas internacionais exíguas e sua situação econômica - em recessão desde 2018, com inflação de 51% ao ano e pobreza de 40,6% -, a obrigam a renegociar com o Fundo.

Embora os bancos apoiem os depósitos em dólares (20% do total), existe um controle de câmbios que limita os saques. E para demonstrá-lo, basta um botão: uma notícia falsa de 'corralito' provocou em novembro saques de depósitos.

"O ano de 2001 é um fantasma que ressurge em tempos de crise. Não em termos racionais, mas sim emocionais", concluiu Piña.


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