Jornal Estado de Minas

SANTIAGO

Presidente do Chile decreta militarização em região de conflito com indígenas

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, decretou nesta terça-feira (12) o estado de exceção e a militarização de uma região sul do país, transformada em cenário de ataques, incêndios e violentos confrontos com indígenas mapuches, que pedem a recuperação de suas terras ancestrais.



"Decidimos decretar estado de exceção" em quatro províncias das regiões de Biobío e Araucanía, no sul do país, que "contempla a designação de chefes da defesa nacional" para controlar uma situação de "grave alteração da ordem pública", anunciou Piñera.

São "de conhecimento público os graves e reiterados atos de violência vinculados ao narcotráfico, ao terrorismo e ao crime organizado, cometidos por grupos armados" nestas províncias, onde morreram "pessoas inocentes" e policiais, prosseguiu Piñera.

O presidente fez este anúncio no dia em que, em meio a polêmicas com os povos originários, comemora-se na América Latina a chegada do navegador Cristóvão Colombo em 1492, que estabeleceu um marco para a conquista europeia do continente.

"É o dia que nós não podemos celebrar a morte dos nossos povos, o tempo da violência em nossas comunidades, a pobreza, os maus-tratos a nossas crianças, às mulheres", disse a acadêmica mapuche Elisa Loncón, presidente da Convenção Constituinte, que deve redigir a nova Constituição chilena.



"É um dia de resistência em todo o continente", acrescentou.

A medida vigorará inicialmente por 15 dias, prorrogáveis, nas províncias de Biobío e Arauco, na região de Biobío, e Malleco e Cautín, em Araucanía, informou o presidente conservador.

- Ausência de diálogo -

Os líderes mapuches, a maior etnia chilena, com mais de 1,7 milhão entre os 19 milhões de chilenos, pedem a restituição de suas terras ancestrais, que estão nas mãos de fazendeiros e empresas florestais.

A falta de diálogo e de uma solução para suas reivindicações provocou uma escalada de violência na última década, com ataques incendiários a edifícios privados e caminhões. Também veio à tona a presença de redes de narcotráfico e de organizações de autodefesa, bem como operações policiais supostamente orquestradas para incriminar os indígenas.

No domingo, os enfrentamentos entre a polícia e os manifestantes durante uma marcha em Santiago a favor do povo mapuche causaram a morte da estudante de direito Denisse Cortés, de 43 anos, inicialmente identificada como advogada pelas autoridades.

A maioria dos mapuches vive na pobreza e viu reduzidas suas terras ancestrais diante da expansão da próspera indústria madeireira, responsável por 8% das exportações.



As regiões de Biobío e Araucanía, situadas cerca de 600 km ao sul de Santiago, são uma área fértil de mais de 55.000 km2 com cultivos agrícolas, extensos bosques e vulcões nevados, onde vivem 2,7 milhões de pessoas.

Com o estado de exceção, as Forças Armadas dão apoio logístico e também contribuem com patrulhamento e transporte para os procedimentos policiais. Piñera assegurou que esta medida "em nenhum caso se orienta contra um povo ou um grupo de cidadãos".

O presidente pode prorrogar o estado de exceção por mais 15 dias, mas para estendê-lo por mais de um mês, precisará do aval do Congresso.

- "Possível escalada" -

Para a analista política Lucía Dammert, a militarização pode causar uma "escalada" no conflito mapuche.

"O governo foi incapaz de produzir uma política eficaz e justa para resolver os problemas existentes em Araucanía e este estado de emergência é visto como uma resposta de militarização que poderia ser parte de uma escalada da violência", declarou à AFP a acadêmica da Universidade de Santiago.



Enquanto isso, o governador de Araucanía, o governista Luciano Rivas, apoiou a militarização, afirmando que em sua região há "uma crise de segurança muito profunda".

"Estamos vivendo hoje em dia uma situação muito complexa, onde as polícias se veem superadas por grupos com armas de grosso calibre", disse Rivas ao canal CNN Chile.

- Resistência aos conquistadores -

As reivindicações mapuches começaram a ser ouvidas após o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990, mas têm ganhado força após a convulsão social de outubro de 2019.

Na Convenção Constitucional - instalada há 100 dias - 17 de seus 155 membros são representantes de dez povos originários, sete deles mapuches.

No entanto, alguns líderes indígenas duvidam que a nova carta magna possa satisfazer suas demandas de terras e autodeterminação.

No século XVI, os mapuches resistiram à expansão dos incas e depois aos conquistadores espanhóis, que nunca os sujeitaram. Mas por volta de 1870, as comunidades indígenas de Araucanía foram submetidas pelo exército chileno, dando início ao processo de assentamento de colonos estrangeiros e a troca de propriedade das terras ancestrais.

audima