Esta é a primeira vez que matérias publicadas em Hong Kong resultam em prisões com base na nova lei, que reprime a dissidência neste centro internacional de negócios e mídia.
O status histórico de Hong Kong como reduto da liberdade de imprensa se encontra há anos em um terreno instável, mas a operação na quinta-feira (17) contra o "Apple Daily" foi um marco.
Cerca de 500 agentes entraram na redação do jornal, confiscando computadores e notebooks.
Cinco executivos, incluindo seu diretor e seu editor, foram detidos por "conluio com forças estrangeiras", um dos crimes previstos na lei de segurança nacional imposta pela China a Hong Kong no ano passado.
Para justificar as detenções, o superintendente Steve Li disse que o conteúdo de 30 artigos, pedindo sanções internacionais contra a China, provava uma "conspiração" para minar a segurança nacional.
Li alertou os moradores de Hong Kong a não compartilharem os artigos, embora tenha se recusado a dizer quais são agora considerados ilegais.
Ele confirmou que alguns foram publicados antes de a lei ser promulgada em junho do ano passado. Em tese, a legislação não é retroativa.
Para jornalistas e editores de Hong Kong, no entanto, a mensagem é clara: o que está escrito, ou impresso, pode terminar com a chegada da polícia de segurança nacional à sua porta.
"É muito doloroso", diz Bao Choy, um repórter local recentemente indiciado por uma reportagem investigativa sobre a incapacidade da polícia de impedir um ataque de grupos leais ao governo contra manifestantes pró-democracia durante os distúrbios de 2019.
"Estamos entrando em um túnel muito escuro. É algo sem fim neste momento. Não estou otimista sobre o futuro do jornalismo em Hong Kong", comentou.
- "Manter distância" -
As autoridades da China e de Hong Kong insistem em que as detenções não são um ataque aos meios de comunicação.
O secretário de Segurança, John Lee, disse que o "Apple Daily" é uma entidade atípica, um "sindicato criminoso", diferente de outros veículos.
"Essa ação não tem nada a ver com o trabalho jornalístico normal", declarou Lee.
"É dirigido à suspeita de que o jornalismo está sendo usado como uma ferramenta para cometer atos que colocam em risco a segurança nacional. Jornalistas normais são diferentes deles. Não se envolvam com eles e mantenham distância", acrescentou.
Sharron Fast, professora da Escola de Jornalismo da Universidade de Hong Kong, observou que as palavras de Lee foram "ameaçadoras" e opacas.
"Não esclareceu em absoluto o que constitui uma conspiração de conluio com forças estrangeiras no contexto de informar sobre acontecimentos relacionados a sanções e boicotes", explicou à AFP.
A Associação de Jornalistas de Hong Kong afirmou que as palavras de Lee "semearam medo e pânico entre os jornalistas".
De acordo com a associação, a lei de segurança é, agora, "uma arma para processar executivos da mídia e jornalistas pela publicação de informações e artigos considerados uma ameaça à segurança nacional".
O Clube de Correspondentes Estrangeiros da cidade disse que as prisões "servirão para intimidar a mídia independente de Hong Kong e esfriar a imprensa livre".
Muitos meios de comunicação internacionais, incluindo a AFP, têm sedes regionais em Hong Kong, atraídos pela legislação favorável às empresas e pelas disposições sobre liberdade de expressão na miniconstituição do território.
Agora, muitos se questionam sobre seu futuro.
Após a promulgação da lei, o jornal americano "The New York Times" mudou sua sede asiática para a Coreia do Sul no ano passado, e outros elaboraram planos de contingência. O também americano "The Washington Post" também escolheu Seul como seu novo centro asiático.
Os líderes de Hong Kong dizem que querem continuar a permitir meios de comunicação independentes, embora o território continue a cair no ranking anual de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras, do 18º lugar em 2002 para 80º este ano.
A China continental está classificada em 177º, de um total de 180 países, à frente apenas de Turcomenistão, Coreia do Norte e Eritreia.
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