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INTERNACIONAL

Como existência de OVNIs passou a ser levada mais a sério pelos EUA

Nos últimos meses, um assunto até pouco tempo atrás descartado como teoria da conspiração ou piada vem sendo debatido com seriedade em Washington: os objetos voadores não identificados (OVNIs).





 

Em meio a recentes declarações de militares, agentes de inteligência e políticos democratas e republicanos sobre o que chamam de fenômenos aéreos não identificados (UAP, na sigla em inglês), vem crescendo a expectativa pela divulgação nas próximas semanas de um relatório detalhando o que o governo americano sabe a respeito desses fenômenos.

 

Na quinta-feira (3/6), o jornal The New York Times e outros veículos da imprensa americana anteciparam que, segundo fontes anônimas dos serviços de inteligência, uma versão confidencial do relatório indica que não foram encontradas evidências de "atividade alienígena", mas também não exclui essa possibilidade de maneira definitiva.

 

O documento foi elaborado após a análise de mais de 120 episódios nas últimas duas décadas em que pilotos militares - a maioria deles americanos, mas também alguns de outros países - observaram objetos não identificados durante seus voos.





 

Segundo as fontes entrevistadas pelo New York Times, a maioria desses casos "não tem origem em nenhuma tecnologia avançada do governo americano". Isso indicaria que esses objetos não são parte de algum programa secreto do governo.

 

Mas o documento não oferece explicação sobre o que seriam esses objetos. Uma das possibilidades citadas por fontes da imprensa americana é a de que pelo menos alguns deles sejam tecnologia experimental de países rivais, como China ou Rússia.

 

A versão final do relatório deverá ser apresentada em 25 de junho. Apesar de ser divulgado ao público, o documento provavelmente terá um anexo ainda confidencial, por motivos de segurança nacional.





 

A determinação de tornar públicas as informações sobre o tema foi incluída em um pacote de medidas aprovado pelo Congresso em dezembro do ano passado. O Departamento de Defesa e o gabinete do diretor de Inteligência Nacional receberam prazo de seis meses para apresentar uma "análise detalhada de dados e inteligência sobre fenômenos aéreos não identificados".

 

O relatório também deverá incluir detalhes sobre como esse tipo de informação será coletado e analisado pelos serviços de inteligência e como o tema deverá ser estudado de agora em diante. Uma das preocupações citadas pelo Congresso é a de que os objetos sejam tecnologia de outros países e que adversários tenham adquirido capacidades aeroespaciais que possam representar ameaça aos Estados Unidos.

 

Em agosto do ano passado, o Departamento de Defesa já havia anunciado a criação de uma força-tarefa, sob a liderança do Departamento da Marinha, com a missão de "detectar, analisar e catalogar UAPs que possam potencialmente representar uma ameaça à segurança dos Estados Unidos".





 

Esse anúncio foi feito poucos meses depois de o Departamento de Defesa confirmar a veracidade e autorizar a divulgação de três vídeos mostrando a reação de pilotos militares ao avistarem objetos não identificados. Essas gravações, datadas de novembro de 2004 e janeiro de 2015, já haviam sido vazadas e circulavam pela internet mas, até então, sem confirmação oficial.

'Sem explicação'

O fato de um objeto não ser identificado não significa que seja alienígena, e muitos dos fenômenos relatados por pilotos militares podem ser drones, balões meteorológicos ou até resultado de problemas em sensores. Mas outros são mais difíceis de serem explicados.

 

"O que é verdade, e eu estou realmente falando sério agora, é que há imagens e registros de objetos nos céus que nós não sabemos exatamente o que são. Não podemos explicar como se moveram, sua trajetória. Eles não tinham um padrão facilmente explicável", disse no mês passado o ex-presidente democrata Barack Obama em entrevista ao apresentador James Corden.





Objetos vistos por pilotos podem ser drones ou balões (foto: Departamento de Defesa dos EUA )

 

O presidente Joe Biden brincou ao comentar a afirmação de Obama e evitou dar declarações mais específicas, mas sua porta-voz, Jen Psaki, disse que o governo "leva muito a sério e investiga cada um dos relatos de incursões de qualquer aeronave, identificada ou não, no nosso espaço aéreo".

 

Nas últimas semanas, o debate sobre OVNIs, por décadas considerado tabu, vem ganhando força e cobertura ampla na imprensa americana, incluindo uma longa matéria na revista New Yorker, uma das mais prestigiosas do país, e um especial no programa "60 Minutes", da rede CBS.

 

"Não acho que podemos permitir que o estigma nos impeça de ter uma resposta a uma pergunta tão fundamental", disse o senador republicano Marco Rubio ao "60 Minutes", ao observar que, enquanto alguns de seus colegas no Congresso estão "muito interessados", outros riem sobre o assunto.





 

"Eu quero que isso seja levado a sério e que haja um processo para levar isso a sério", afirmou Rubio, que é vice-presidente da Comissão de Inteligência do Senado. "Talvez haja uma explicação muito simples… talvez não."

 

John Ratcliffe, o diretor de Inteligência Nacional durante o governo de Donald Trump, disse em entrevista à Fox News em março que "há muito mais casos do que os divulgados ao público" de objetos não identificados observados em "ações que são difíceis de explicar, movimentos difíceis de replicar, para os quais não temos tecnologia".

 

No ano passado, John Brennan, que comandou a CIA (a agência central de inteligência americana) no governo Obama, declarou em entrevista a um podcast que achava "um pouco presunçoso e arrogante acreditar que não há outra forma de vida em lugar algum do universo".





 

Em abril deste ano, Robert James Woolsey, que foi diretor da CIA nos anos 1990, declarou ao site Black Vault que não é mais "tão cético quanto era alguns anos atrás" sobre OVNIs.

 

Woolsey citou o fato de fenômenos não explicados surpreenderem pilotos militares experientes. Em depoimento ao "60 Minutes", pilotos da Marinha americana relataram ter avistado aeronaves que apresentavam movimentos, aceleração, capacidade de mudar de direção e submergir nunca vistos antes.

 

Um deles, o piloto aposentado Ryan Graves, relatou que seu esquadrão começou a encontrar objetos não identificados no espaço aéreo sobre o Estado da Virgínia a partir de 2014, quando o sistema de radar dos caças foi modernizado, e que há relatos de outros pilotos em situações do tipo "todos os dias" nos últimos anos.

 

Um dos episódios registrados em vídeo ocorreu em 2004, quando dois caças da Marinha encontraram um objeto de cor branca e formato oval e do tamanho de um avião comercial perto da costa de San Diego, no Oceano Pacífico. O objeto tinha altíssima velocidade e era capaz de parar subitamente. "Sem movimento ou trajetória previsíveis", relatou a piloto aposentada Alex Dietrich, que estava em um dos caças.





Mudança de tom

Imagens dos objetos não identificados são de 2004 e 2015 (foto: Departamento de Defesa dos EUA)

 

Alguns dos episódios de encontros entre caças militares e OVNIs já haviam sido relatados em uma reportagem de capa publicada em 2017 pelo New York Times que, segundo entusiastas, marcou o início da mudança de tom da mídia em relação ao assunto.

 

Além de incluir vídeos e relatos sobre encontros de pilotos militares com OVNIs, a reportagem trazia pela primeira vez a admissão do Pentágono sobre a existência de um programa dedicado ao estudo desses fenômenos.

 

Esse programa teve início em 2007, quando o então senador democrata Harry Reid, na época líder da maioria no Senado, conseguiu a liberação US$ 22 milhões (cerca de R$ 111 milhões) para financiar o que ficou conhecido como Programa de Identificação de Ameaças Aeroespaciais Avançadas. Reid representava o Estado de Nevada, onde fica a chamada Área 51, instalação da Força Aérea em que são realizados testes secretos.





 

"Até recentemente, muitos pilotos militares temiam a possibilidade de retribuição por reportar fenômenos aéreos não identificados", escreveu Reid recentemente em um artigo de opinião no New York Times.

 

Segundo Reid, esse tabu pode "prejudicar a segurança nacional e entravar oportunidades de avanço técnico". "Eu nunca busquei provar que existe vida além da Terra. Mas se a ciência provar que existe, eu não tenho nenhum problema com isso", escreveu Reid.

 

A mudança de tom em Washington também é resultado de anos de esforços por parte de alguns entusiastas sobre o tema. O ativista político Stephen Bassett é um dos principais nomes, com atuação na área desde 1996.





 

"Meu principal trabalho é fazer com que o governo americano finalmente confirme a presença de extraterrestres", diz Bassett em entrevista à BBC News Brasil. "É o que chamamos de Revelação, com letra maiúscula."

 

Bassett acredita que o momento atual representa o fim do que chama de "embargo da verdade" sobre OVNIs. Ele questiona a informação antecipada pela imprensa americana de que uma das explicações no relatório a ser divulgado seria a de que alguns dos objetos não identificados têm tecnologia avançada de outros países.

 

"Os Estados Unidos têm a tecnologia militar mais avançada do mundo. Todos no Pentágono sabem disso", afirma. "A única explicação para milhares de episódios do tipo desde 1947 é extraterrestre."





 

A fascinação do público em relação a OVNIs é antiga, e há relatos de supostos encontros desde a década de 1940. Na época o governo chegou a estudar esses fenômenos, temendo que pudessem ser armas dos inimigos soviéticos. Nas décadas 1950 e 1960, a Força Aérea americana liderou um programa para analisar relatos de OVNIs. Dos 12 mil casos analisados até o encerramento do programa, em 1969, mais de 700 não puderam ser explicados.

 

Mas foi somente há alguns anos que pilotos militares americanos começaram a falar mais abertamente sobre episódios do tipo que presenciaram, ao mesmo tempo em que alguns políticos e agentes de inteligência também passaram a demonstrar publicamente interesse sobre o tema.

 

"Isso costumava ser o tipo de coisa que acabava com uma carreira", disse ao site "Politico" o chefe de gabinete da Casa Branca no governo de Bill Clinton, John Podesta, cujo interesse sobre o tema vem de décadas. "Isso claramente mudou, o que é bom."





Futuro

Para Bassett, a mudança ocorreu a partir de 2017, com o anúncio da criação de um grupo não-governamental chamado "To the Stars Academy of Arts & Sciences" ("Academia de Artes e Ciências para as Estrelas", em tradução livre).

 

Bassett salienta o fato de que muitos dos integrantes do grupo haviam trabalhado no complexo militar ou de inteligência dos Estados Unidos.

 

Logo os vídeos e depoimentos de militares sobre encontros com OVNIs começaram a ser cobertos pela imprensa, em um movimento que foi ganhando força até que, no ano passado, o Departamento de Defesa reconheceu a autenticidade de alguns dos vídeos e anunciou a força-tarefa para analisar esses fenômenos.

 

Bassett ressalta que a cobertura da imprensa e o fato de algumas testemunhas militares terem ido a público inicialmente diminuiu o estigma e o risco para outros que quisessem seguir o mesmo caminho e falar abertamente sobre suas experiências.





 

O ativista diz esperar que a divulgação do relatório leve a audiências no Congresso, com a participação de testemunhas militares, e a um futuro anúncio do presidente americano sobre "a presença de extraterrestres interagindo com a raça humana".

 

Nem todos compartilham dessa opinião, e o novo interesse por OVNIs atrai muitos críticos. Alguns consideram o financiamento desse tipo de programa um gasto desnecessário e uma estratégia do Pentágono para aumentar seu orçamento.

 

Outros, como Mick West, criador de um fórum para desmentir teorias da conspiração, acreditam que a explicação para os vídeos desses supostos objetos está em simples detalhes técnicos, como configurações da câmera.





 

Mas pesquisa Gallup de 2019 indica que 68% dos americanos acham que o governo sabe mais sobre OVNIs do que admite publicamente. Segundo o levantamento, 33% acreditam que alguns desses objetos são aeronaves de outros planetas.

 

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