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Estado de Minas CABUL

Último judeu do Afeganistão partirá se o Talibã retornar ao poder


29/04/2021 10:13

Durante décadas, Zebulon Simentov recusou-se a deixar o Afeganistão, sobrevivendo à invasão soviética, a uma guerra civil mortal, ao domínio brutal do Talibã e à ocupação de seu país natal por uma coalizão estrangeira liderada pelos Estados Unidos.

Mas sua teimosia chegou ao limite. A perspectiva de um retorno do Talibã ao poder convenceu Zebulon, o último judeu do Afeganistão, de que havia chegado a hora de fazer as malas.

"Por que eu ficaria? Eles (os talibãs) me chamam de infiel", declarou à AFP na única sinagoga de Cabul, localizada em um antigo prédio no centro da capital.

"Sou o último, o único judeu do Afeganistão (...) As coisas podem piorar para mim aqui. Decidi partir para Israel se o Talibã voltar", acrescenta.

Esta eventualidade parece provável, já que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmou a saída das forças americanas até 11 de setembro, no vigésimo aniversário dos ataques de 2001, quando as negociações de paz entre os talibãs e o governo estão paralisadas.

Nascido na década de 1950 em Herat, no oeste do Afeganistão, que já foi um refúgio de ricas famílias de comerciantes judeus, Zebulon se mudou para Cabul no início dos anos 1980 devido à relativa calma que a capital então apresentava.

Os judeus viveram no Afeganistão há mais de 2.500 anos. Dezenas de milhares deles habitaram Herat, onde quatro sinagogas testemunham a presença ancestral da comunidade nesta cidade.

- Sinagoga pilhada -

Mas desde o século XIX, os judeus gradualmente deixaram o país, muitos partindo para Israel. Ao longo das décadas, toda a família de Zebulon também foi embora, incluindo sua esposa e duas filhas. Ele tem certeza de ser o último judeu afegão no país.

Vestido com um shalwar kameez, a vestimenta tradicional afegã que consiste em uma camisa longa sobre calças largas, e um kipá preto na cabeça, ele recorda com nostalgia o período - abençoado aos seus olhos - da monarquia na década de 1970.

"Os fiéis de todas as religiões e culto gozavam de total liberdade na época", ressalta Zebulon, que diz ter orgulho de ser afegão.

Mas a evolução recente do país o tornaram amargo. Em particular, os anos - entre 1996 e 2001 - em que o Talibã ocupou o poder e impôs sua visão fundamentalista. Eles até tentaram forçá-lo a se converter.

"Este vergonhoso regime do Talibã me colocou na prisão quatro vezes", conta, referindo-se a um episódio em que um grupo de combatentes invadiu a sinagoga. Eles "disseram que esse era o Emirado Islâmico e os judeus não tinham direitos aqui".

Os talibãs pilharam o local - uma grande sala pintada de branco com um altar em uma das extremidades - rasgaram livros em hebraico, quebraram menorás, o castiçal de sete braços dos judeus, e levaram embora uma antiga Torá, lembra.

Apesar de tudo, Zebulon se recusou a abandonar seu país. "Eu resisti. Deixei a religião de Moisés orgulhosa", afirma com orgulho, beijando o chão da sinagoga.

- 'Perdi fé' -

Zebulon continua a celebrar na sinagoga as festas de Rosh Hashanah, o Ano Novo Judaico, e Yom Kippur, o dia do perdão, às vezes até na companhia de amigos muçulmanos.

"Sem mim, a sinagoga já teria sido vendida dez, vinte vezes", continua ele em seu dialeto herati, que se distingue do dari, uma das duas línguas oficiais, por suas entonações grosseiras.

Zebulon vive das esmolas dadas por amigos e parentes, preparando suas refeições em um pequeno fogão a gás colocado na sala sobre um tapete vermelho. Numa mesa em um canto estão livros e fotos de suas filhas, que ele beija o tempo todo.

Zebulon admite ter pensado em 2001, quando o Talibã foi expulso do poder pela intervenção americana, que o país iria prosperar. "Achava que os europeus e os americanos resolveriam os problemas deste país (...), mas não foi o caso", lamenta.

Seus vizinhos ficarão tristes em vê-lo partir. "Ele é meu cliente há 20 anos (...) É um bom homem", diz Shakir Azizi, dono de uma mercearia em frente à sinagoga. "Se ele for embora, sua falta será sentida".

Mas Zebulon teme o destino que o aguarda se ficar, convencido de que é que o Talibã não mudou. "São os mesmos de 21 anos atrás", assegura.

Na esperança de se sentir em casa em Israel, admite: "Perdi a fé no Afeganistão (...) Não há mais vida aqui".


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