(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas PARIS

França tem uma responsabilidade 'avassaladora' no genocídio em Ruanda


26/03/2021 20:24 - atualizado 26/03/2021 20:25

A França "fechou os olhos para a preparação" do genocídio dos tutsis em Ruanda em 1994 e tem uma "responsabilidade avassaladora" pelos massacres, de acordo com um relatório de uma comissão de historiadores publicado nesta sexta-feira (26) que pode marcar uma virada na relação entre os dois países.

O documento, fruto de dois anos de estudos dos arquivos franceses, pinta um balanço sem concessões do envolvimento militar e político de Paris no genocídio, que entre abril e julho de 1994 deixou pelo menos 800.000 mortos, de acordo com números da ONU.

No entanto, a comissão encarregada de elaborar o documento, presidida pelo historiador Vincent Duclert, ressalta que "nada prova" que a França foi "cúmplice" do genocídio ocorrido em 7 de abril de 1994, um dia após o atentado contra o avião do então presidente Juvénal Habyarimana.

A relação entre ambos os países permaneceu estremecida durante mais de 25 anos pelas polêmicas em relação ao papel da França no genocídio. O Palácio do Eliseu, sede do Executivo francês, afirmou que espera ajudar a desenvolver e melhorar as relações com Kigali.

"A França continuará seus esforços na luta contra a impunidade dos responsáveis" pelo genocídio, afirmou o presidente francês, Emmanuel Macron, nesta sexta-feira.

Por sua vez, Ruanda comemorou a publicação do relatório, que é "um passo importante para um entendimento comum do papel da França".

Hubert Védrine, secretário-geral da Presidência francesa na época do genocídio, elogiou a "honestidade" do relatório e destacou que o documento "descarta qualquer cumplicidade da França".

O documento, com mais de 1.000 páginas e baseado em telegramas diplomáticos e notas confidenciais, aponta para a responsabilidade crucial do então presidente socialista, François Mitterrand (1981-1995).

Mitterrand deu apoio quase "incondicional" ao regime "racista, corrupto e violento" do presidente Juvénal Habyarimana, em face de uma rebelião tutsi com a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), liderada por Paul Kagame, que se tornou presidente de Ruanda.

O presidente socialista tinha "uma relação forte, pessoal e direta" com Habyarimana, apontam os 14 historiadores da comissão criada por Macron.

Essa relação, à qual somava-se a obsessão de fazer de Ruanda um território de defesa da francofonia, justificou "a entrega de consideráveis quantidades de armas e munições ao regime de Habyarimana, bem como a ampla participação dos militares franceses no treinamento das forças armadas de Ruanda".

- França ignorou alertas -

Já em outubro de 1990, data da ofensiva da Frente Patriótica de Ruanda (FPR, ex-rebelião tutsi liderada então por Paul Kagame), Paris aderiu à causa do regime de Habyarimana.

A França lançou a operação militar Noroît, que deveria proteger os estrangeiros, mas que na verdade foi uma presença "dissuasora" para salvaguardar o regime da ofensiva rebelde.

Enquanto instava Habyarimana a democratizar seu governo e negociar com seus oponentes - o que levou aos Acordos de Paz de Arusha em agosto de 1993 - a França ignorou inúmeras advertências de ONGs, diplomatas ou membros dos serviços secretos, em Kigali ou Paris, que alertavam sobre a vertente extremista do regime e os riscos de "genocídio" dos tutsis.

"É de se perguntar se, no final das contas, as autoridades francesas realmente queriam ouvir uma análise que contradizia a política aplicada em Ruanda", escrevem os historiadores.

O relatório também aponta para a responsabilidade do Estado-Maior Presidencial de Mitterrand (EMP), liderado pelo General Christian Quesnot e seu vice, Coronel (agora General) Jean-Pierre Huchon. Mitterrand faleceu em 1996, mas os dois militares, agora reformados, ainda estão vivos.

"O EMP tem uma responsabilidade muito importante no estabelecimento de uma hostilidade geral por parte da Presidência francesa em relação à FPR", diz o relatório.

O documento denuncia também "a existência de práticas irregulares" deste órgão que contornou todos os canais de aplicação da política francesa no terreno com a aprovação tácita do presidente.

"Nenhum documento mostra a vontade do chefe de estado de punir esses soldados ou de interromper suas iniciativas", afirma o relatório.

- Demora para romper com governo -

Quando o genocídio estourou, a França "demorou a romper" com o governo de Ruanda e continuou a considerar a ameaça da FPR como "o centro de suas preocupações", escrevem os historiadores.

"Reagiu tardiamente" com uma operação militar-humanitária, conhecida como missão Turquesa, entre junho e agosto de 1994, "que salvou muitas vidas, mas não as da grande maioria dos tutsis ruandeses exterminados nas primeiras semanas do genocídio" eles acrescentam.

Seus autores também afirmam que as autoridades francesas "se recusaram a prender" os mentores do genocídio que se refugiaram na área sob controle francês. Este é um dos pontos mais polêmicos da ação francesa em Ruanda.

O genocídio terminou com a vitória da FPR em julho de 1994. Desde então, a França manteve relações tensas com Ruanda, marcadas pelo rompimento das relações diplomáticas em 2006.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)