Jornal Estado de Minas

INTERNACIONAL

Depoimento de executivos de tecnologia vira simulacro da polarização nas redes

Pela segunda vez em 2020, líderes de grandes empresas de tecnologia tiveram de se apresentar perante o Congresso dos Estados Unidos para discutir problemas em suas operações. Mas desta vez, a discussão não foi sobre concorrência desleal, como em julho, e sim sobre liberdade de expressão e interferência política nas redes sociais. Em um debate na quarta-feira, 28, que durou pouco menos de quatro horas, Mark Zuckerberg, do Facebook, Sundar Pichai, do Google, e Jack Dorsey, do Twitter, tiveram de responder a perguntas que evidenciaram a polarização presente na internet atualmente.

De um lado, conservadores acusam as empresas de censurar suas ideias; do outro, liberais e democratas afirmam que as companhias precisam fazer mais para evitar a disseminação de desinformação em suas plataformas. Marcado no início do mês, o depoimento tinha uma função clara: discutir se seriam necessárias mudanças na Seção 230, lei introduzida em 1996 nos EUA e que garante regras sobre liberdade de expressão e moderação de conteúdo na internet. De forma resumida, a regra diz que as plataformas e sites não são responsáveis pelo conteúdo ali publicado por terceiros. Ao fazer isso, a norma garante a liberdade de expressão e evita que as plataformas sejam inundadas por processos judiciais, o que ajudou a internet a crescer, especialmente em seus primeiros anos.

No entanto, há quem acredite que a mesma regra hoje seja usada para fazer com que as plataformas se esquivem de ter atitudes mais pró-ativas com relação a desinformação ou discursos de ódio. "A internet mudou e as empresas que nela atuam não são mais startups de garagem. São corporações que têm poder na economia, na cultura e na opinião pública", ressaltou o senador republicano Roger Wicker, presidente do Comitê de Comércio do Senado dos EUA, no qual ocorreu a sessão.

Apesar de ser o tema proposto para o debate, possíveis mudanças na Seção 230 acabaram ficando em segundo plano durante a discussão. Quem mais falou sobre o tema foi Mark Zuckerberg, que se mostrou favorável a uma mudança na regulação, sugerindo maior transparência nos processos de moderação de conteúdo. O executivo do Facebook protagonizou ainda um momento curioso no início do debate: teve de pedir um recesso de cinco minutos porque estava com problemas para se conectar à sessão.

Sundar Pichai, do Google, contemporizou a questão: "Sejam cuidadosos se forem mudar a Seção 230 e tenham noção dos impactos que isso pode causar em toda a internet", disse. É uma frase importante: uma mudança na regulação pode não só afetar a liberdade de expressão, mas também criar regras que só possam ser atendidas por grandes empresas, inibindo a inovação e a livre concorrência no mercado.

Durante o debate, falou-se ainda sobre o reforço na transparência na forma como as empresas moderam os conteúdos dentro de suas plataformas - algo que os três líderes das gigantes concordaram ser uma necessidade, mas não entraram em detalhes como deve ser feito.

Quem melhor se pronunciou sobre o tema foi Jack Dorsey, do Twitter, que comentou ser uma possibilidade o uso de algoritmos criados por terceiros para filtrar conteúdo dentro de sua plataforma. "É algo que pode aumentar significativamente o poder das pessoas para escolher como recebem seu conteúdo", disse o executivo. Mark Zuckerberg, por sua vez, citou os relatórios de transparência do Facebook, publicados trimestralmente, e presença de uma equipe de 35 mil moderadores de conteúdo, como bons sinais de que a transparência está aumentando.

O debate sobre as equipes de moderação de conteúdo também apareceu com força - republicanos chegaram a perguntar se as empresas contratam pessoas para essas equipes com base em suas convicções ideológicas, algo que foi negado pelas empresas. (Faz sentido: preencher cotas de ideologia poderia ser considerada uma atitude discriminatória na seleção de candidatos, podendo gerar processos trabalhistas).

Já a senadora democrata Amy Klobuchar chegou a dizer que as empresas deveriam ter apenas moderação humana de conteúdo, porque tem dinheiro para isso. Hoje, o Facebook diz gastar US$ 3 bilhões com moderação; o Google, mais de US$ 1 bilhão, enquanto Dorsey não soube precisar a quantia. A discussão sobre uso de algoritmos também foi importante no debate - em um raro momento em que um republicano não falou de censura, a senadora Deb Fischer questionou a transparência desses métodos.

Debate político predominou
A discussão sobre as mudanças nas regras da Seção 230 para as plataformas, porém, tem forte sabor político: em maio, o presidente americano Donald Trump assinou uma ordem executiva pedindo a revisão da lei, após o Twitter rotular algumas de suas publicações como falsas, imprecisas ou potencialmente danosas - por diversas vezes neste ano, Trump declarou informações que não eram verdadeiras, por exemplo, sobre a pandemia do novo coronavírus.

O tom de rivalidade e polarização marcou a dinâmica do debate: na maior parte de sua duração, senadores republicanos questionaram os líderes das três empresas sobre porque tinham chamado a atenção sobre declarações de Trump, mas não de outras pessoas que, por exemplo, negaram a existência do Holocausto. Em resposta, os senadores democratas alegaram que as empresas têm ajudado os conservadores a ter suas vozes mais ouvidas, mesmo quando suas declarações se aproximam da desinformação e de discurso de ódio. "Os executivos estão sendo acusados de atacar os conservadores, mas na verdade, têm feito justamente o contrário, cedendo terreno para eles", disse o democrata Brian Schatz, do Havaí.

Seu colega de partido Richard Blumenthal, de Connecticut, acusou os republicanos, que têm maioria no Senado neste momento, de promover o depoimento para influenciar as eleições. "Meus colegas republicanos estão fazendo bullying com as gigantes de tecnologia e o timing desta sessão é inexplicável, a seis dias do pleito. Trump quebrou todas as regras nas plataformas, promovendo desinformação danosa", declarou.

Mesmo ‘menor’, Dorsey foi o mais atacado dos três
Dos três líderes das empresas de tecnologia, Jack Dorsey foi quem esteve mais sob a mira dos congressistas americanos. Há motivos para isso: sua empresa, o Twitter, foi a mais vocal das três a respeito de rotular desinformação e discurso de ódio que poderia ter surgido a partir de declarações de Trump e outros políticos conservadores. Dorsey também parece ser o que mais saiu arranhado do debate. Ele teve momentos complicados, quando chegou a dizer que negar o Holocausto não é desinformação no Twitter, ou afirmar que sua plataforma não influencia as eleições.

É uma questão complexa, até pelo tamanho do Twitter na comparação com as outras redes sociais - enquanto Google e Facebook tem bilhões de usuários, o Twitter nunca ultrapassou a marca de 500 milhões de pessoas em sua plataforma. Por outro lado, desde a eleição de Trump, a rede social de Dorsey se tornou o epicentro de discussões políticas e econômicas - é de lá que as ideias são levadas para outras plataformas, abertas como Facebook e YouTube, ou fechadas como o WhatsApp.

Já Pichai sofreu com um problema menor: praticamente todos os senadores pronunciaram seu nome de forma errada: "pick-eye" era a pronúncia mais comum (o correto é "pixai"). Não é um mero detalhe: nas redes sociais, muitos levantaram a questão de como a pronúncia incorreta mostra a distância entre os políticos e o universo da tecnologia, com os primeiros nem se preocupando em aprender o nome corretamente.



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