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Estado de Minas

Acordo da VW com vítimas da ditadura cria expectativas no Brasil


25/09/2020 12:01

A Volkswagen e as famílias de ex-operários torturados, ou assassinados, durante a ditadura militar brasileira chegaram a um acordo sem precedentes que pode inspirar outros grandes grupos industriais a virar a página de sua cooperação com o aparato repressivo dos "anos de chumbo".

A Lei de Anistia de 1979 impediu o julgamento no Brasil dos envolvidos na perseguição de opositores e de personalidades suspeitas de "subversão" comunista durante as duas décadas do regime militar (1964-1985).

As feridas daquela época ainda estão vivas. O presidente Jair Bolsonaro reivindica plenamente a herança repressiva e chegou a lamentar que o número de mortos tenha sido limitado aos 434 oficialmente reconhecidos. "O erro da ditadura foi torturar e não matar", declarou em 2016, dois anos antes de ser eleito.

Nesse contexto, o anúncio da Volkswagen na quarta-feira pareceu um raro momento para apaziguar velhos rancores e reivindicações por justiça.

Conforme o acordo validado pela Justiça, a multinacional automobilística alemã pagará 36 milhões de reais em indenizações, incluindo 16,8 milhões para os trabalhadores que sofreram represálias e suas famílias. O dinheiro também será destinado a diversos projetos, como a construção de um memorial às vítimas do regime militar.

"Lamentamos as violações que ocorreram no passado. Para a Volkswagen AG, é importante lidar com responsabilidade com esse capítulo negativo da história do Brasil e promover a transparência", explicou Hiltrud Werner, membro do Conselho de Administração da Volkswagen.

Os ex-operários e seus familiares processaram a Volkswagen há cinco anos. Um relatório independente solicitado pela empresa em 2016 confirmou que seus agentes de segurança cooperaram com o regime.

Segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão oficial criado para apurar os crimes da ditadura, a Volkswagen é uma das 120 empresas envolvidas. Outros nomes citados são Johnson & Johnson, Pfizer, Esso, Texaco e Pirelli.

"Não foi só a Volkswagen que tinha atividades de perseguição aos trabalhadores no Brasil. Nós temos outras empresas que precisam ser igualmente investigadas, tanto empresas nacionais como empresas multinacionais", disse à AFP o advogado Prudente Mello, ex-integrante da Comissão de Anistia e autor de uma tese de doutorado sobre essa colaboração repressiva.

"Sempre que você ouvir que não há possibilidade de responsabilizar ninguém pelos crimes da ditadura civil-militar, lembre disso: a Volkswagen vai ter que destinar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores e iniciativas pró-memória por ter colaborado com os militares. #DitaduraNuncaMais", tuitou a deputada Fernanda Melchinna.

"Será que teremos + empresas nessa fila do mea culpa? Seria digno e histórico", escreveu na mesma rede social o jornalista e escritor Xico Sá.

Em um comunicado conjunto, os Ministério Público Federal, Ministério Público de São Paulo e Ministério Público do Trabalho apontaram que "o ajuste de condutas estabelecido nesta data é inédito na história brasileira e tem enorme importância na promoção da Justiça de Transição, no Brasil e no mundo".

"O enfrentamento do legado de violações aos direitos humanos praticadas por regimes ditatoriais é um imperativo moral e jurídico. Não se logra virar páginas ignóbeis da história sem plena revelação da verdade, reparação das vítimas, promoção da responsabilidade dos autores de graves violações aos direitos humanos, preservação e divulgação da memória e efetivação de reformas institucionais, sob pena de debilidade democrática e riscos de recorrência", prosseguiram.

"O Brasil, infelizmente, segue como um caso notável de resistência à promoção ampla dessa agenda", acrescentaram.

- Contra a corrente bolsonarista -

Segundo o relatório da CNV publicado em 2014, os "anos de chumbo" deixaram pelo menos 434 mortos e desaparecidos, um número de vítimas consideravelmente menor do que em outros países latino-americanos como Chile (3.200), ou Argentina (30.000, segundo organizações da sociedade civil).

Esse balanço não inclui, porém, centenas de vítimas de milícias contratadas para reprimir conflitos agrários, ou massacres de indígenas no avanço da ocupação do território pelo Estado.

Nos países vizinhos, muitos dos autores de atrocidades se sentaram no banco dos réus e foram condenados a penas de prisão.

No Brasil, contudo, o bloqueio dos julgamentos pela Lei da Anistia se somou à reivindicação oficial do passado repressivo desde a chegada de Bolsonaro ao poder, em janeiro de 2019.

Em março daquele ano, Bolsonaro pediu para "comemorar" o aniversário do levante militar de 1964, recusando-se a considerá-lo um "golpe".

Em diversas ocasiões, Bolsonaro qualificou de "herói" o chefe da repressão em São Paulo no início dos anos 1970, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem são atribuídos cerca de 70 mortes e desaparecimentos, segundo dados da Comissão Nacional da verdade.

O acordo firmado pela Volkswagen "tem um peso em momentos como o que a gente vive agora, de um retrocesso em relação à democratização do país", disse o advogado Prudente Mello.


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