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Estado de Minas

Bairro de Nova York traumatizado com aumento da violência


16/09/2020 10:55

É um sábado ensolarado deste final de verão (inverno no Brasil), mas o playground Raymond Bush no Brooklyn está quase vazio. Debaixo de uma árvore, bichinhos de pelúcia, balões e velas recordam o bebê que morreu nesse local em uma noite de julho, quando desconhecidos atacaram a tiros uma festa de família.

"Isso é simplesmente avassalador. É doentio. Todo o dia alguém leva um tiro, alguém perde a vida. Isso tem que parar", disse à AFP Davell Gardner Sr., de 25 anos, pai do bebê assassinado.

Assim como em outras áreas de Nova York, como Harlem e Bronx, Bedford-Stuyvesant, ou Bed-Stuy, um bairro predominantemente negro do norte do Brooklyn, testemunha o aumento da violência. Entre maio e agosto, ocorreram 180 assassinatos na cidade, 51% a mais que no mesmo período de 2019, e quase 800 tiroteios (+ 140%).

Um homem de 62 anos foi morto no final de agosto após ser perseguido até a igreja onde trabalhava como zelador, a duas quadras do parque onde o pequeno Davell Gardner Jr. foi baleado no estômago. No dia seguinte, um jovem foi morto a tiros a poucos passos de distância.

- O aniversário mais triste -

Gardner, que perdeu o emprego como balconista após a pandemia do coronavírus, decidiu comemorar o aniversário do filho no sábado, que faria dois anos em agosto.

Ele levou comida e um bolo de aniversário para outro parque em Bed-Stuy e convidou familiares, policiais e jovens do bairro que trabalham na agência municipal S.O.S. (Salve Nossas Ruas) para prevenir a violência causada por armas de fogo.

"Desde os tiroteios, o parque está cada vez mais vazio. As crianças têm medo de sair e se divertir", contou Gardner, com um pingente em forma de coração com uma foto do filho pendurado no pescoço.

A criminalidade sempre aumenta no verão, observam os criminologistas, lembrando que ainda está longe da violência endêmica dos anos 1970, ou 1980, em Nova York.

Em 2019, houve poucos crimes violentos, então "mesmo pequenas mudanças levam a esses grandes saltos nas porcentagens", disse à AFP John Pfaff, professor de direito penal da Fordham University, estimando que a violência hoje está nos mesmos níveis do que em 2010.

Mas agora há outros fatores em jogo: os efeitos do confinamento, devido ao coronavírus, somam-se aos ecos dos protestos multitudinários contra a brutalidade policial, na esteira da morte do cidadão negro George Floyd em maio passado.

E a isso se soma a reação policial após reformas que cortaram as horas extras e eliminaram a unidade de combate ao crime de 500 policiais à paisana, criticada pelo tratamento dispensado às minorias.

Para Pfaff, "a retórica de violência do presidente Donald Trump" também atiça as chamas.

A sete semanas da eleição presidencial, Trump garante que o aumento da criminalidade em várias cidades do país se deve à inépcia de seus líderes democratas e ameaça mandar tropas federais para Nova York, como fez com Chicago, ou Portland (Oregon).

Christopher Herrmann, um ex-analista de dados criminais da polícia de Nova York, acredita que os protestos desencorajaram os policiais e afetaram seu trabalho.

"Como em qualquer outro trabalho, a queda no ânimo afeta o desempenho", estimou este professor do John Jay College of Criminal Law.

- "Um barril de pólvora" -

Shadoe Tarver, de 32 anos, trabalha para a S.O.S. e lida com jovens afetados pela violência em Bed-Stuy.

"Foi um verão muito difícil, um ano muito difícil. Nossa comunidade já tinha vários problemas: falta de investimento, insegurança econômica, sistema educacional falido, mas o coronavírus piorou tudo", afirmou à AFP.

"Com tudo o que aconteceu desde março, este era um barril de pólvora esperando para explodir", completou.

Muitos residentes de Bed-Stuy não escondem o medo.

"Meu amigo levou um tiro há duas semanas. Eu estava com ele, ouvimos barulho, nos jogamos no chão, e ele me cobriu com o corpo (...) Aí ele começou a correr e levou um tiro na cabeça. Morreu na hora", contou à AFP Connie Moore, ex-segurança de uma escola.

"Esta área não é segura nem durante o dia. Nunca se sabe quando vão chegar e começar a atirar", disse a aposentada de 62 anos no parque onde o pequeno Davell morreu, apontando para um grupo de crianças jogando basquete.

Como outros nova-iorquinos, Moore acredita que a polícia, em retaliação aos apelos para cortar seu orçamento, fecha os olhos à violência. Segundo dados policiais, ela é cometida, principalmente, por negros e hispânicos e atinge, em sua maioria, essa mesma população.

"A polícia não está fazendo nada. Vivemos na anarquia", lamentou.

A família do bebê assassinado insiste, porém, em que a polícia é necessária, e não deve ser subfinanciada.

"O prefeito deve colocar a polícia de volta nas ruas e reintegrar a unidade anticrime que apreendia as armas", sugeriu Samantha Gardner, avó do bebê, de 51 anos.

"Como uma comunidade afro-americana, precisamos parar com essa violência. Não podemos sair e protestar 'Black Lives Matter' ('Vidas negras importam'), enquanto continuamos matando uns aos outros entre os negros", desabafou.


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