(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas PANDEMIA

Coronavírus: Brasileiros relatam drama em alto mar: ''o pensamento recorrente é pular desse navio''

A chefe de cozinha Luíza Luchessi relata o drama vivido por tripulantes do Brasil em cruzeiros pelo mundo, aguardando liberação para retornarem para suas casas


postado em 19/05/2020 04:00 / atualizado em 19/05/2020 08:24

O navio Seabourn Odyssey permanece ancorado nas proximidades da ilha de Barbados, no Caribe, aguardando uma definição das autoridades(foto: Fotos: Reprodução da internet)
O navio Seabourn Odyssey permanece ancorado nas proximidades da ilha de Barbados, no Caribe, aguardando uma definição das autoridades (foto: Fotos: Reprodução da internet)


Comumente associados ao prazer, à diversão e ao descanso, os navios de cruzeiro se tornaram cenários de terror, ao menos para muitos tripulantes neles retidos ao redor do mundo, incluindo brasileiros. Não são poucas as reclamações de falta de informações e, principalmente, de quem vê o desespero aumentar a cada dia que passa sem poder retornar ao país de origem ou mesmo pisar em terra firme devido às restrições impostas pela pandemia da COVID-19.

Há pelo menos quatro casos de suicídio de funcionários de companhias marítimas registrados. Um dos últimos foi de uma ucraniana de 39 anos, que pulou do 15º andar de um navio ancorado na Holanda, depois de ter o voo que a repatriaria adiado pela segunda vez. Desde 13 de março, os cruzeiros foram cancelados e quase a totalidade de passageiros foi desembarcada. Mas os tripulantes não, chegando a 100 mil pessoas, segundo alguns sites especializados.

Gente como a chef de cozinha Luíza Luchessi, de Belo Horizonte, que está em um navio fundeado próximo à Flórida, nos EUA. “Eu não coloco os pés em terra firme desde 1º de março, 80 dias sem sair do navio, a não ser para pegar uma balsa para outro navio. O que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) e o governo americano têm feito com os tripulantes de cruzeiro é cruel e sem justificativa. Estamos há mais de um mês completamente assintomáticos, não representamos risco para ninguém. Não queremos ficar nos EUA, não queremos circular no país, só queremos entrar em um avião e ir embora. Saindo do navio nós corremos mais risco do que oferecemos, a chance de alguém estar com corona aqui dentro é praticamente zero, mas ninguém quer saber, ninguém se importa”, afirma, por meio de carta divulgada pela mãe, Patrícia.

Em uma rede social, Luíza postou foto em uma das varandas do navio, com o mar ao fundo. Mas a imagem não tem nada de bonita. “Quem vê essa carinha serena não imagina que o pensamento recorrente é pular desse navio”, escreveu.
 

"Quem vê essa carinha serena não imagina que o pensamento recorrente é pular desse navio"

Luíza Luchessi, chef de cozinha

 
Relatos como dela são comuns entre outros tripulantes brasileiros. Mas a maioria prefere não se identificar, temendo represálias. “Os suicídios mexeram muito com todos nós. O número já é alto (em navios de cruzeiro), agora, então, ainda mais. A vida a bordo não é fácil. Quando veio o primeiro, a gente já ficou preocupado. Dois dias depois ficamos sabendo de outro. Pouco depois, o terceiro. E aí veio greve de fome na Royal Caribeann. E ninguém noticiou. Aí, veio a quarta pessoa a tirar a própria vida. Foi quando o mundo parou para nós, pois, era mãe de família. E já ficamos sabendo de outros”, afirma um mineiro que está em navio em águas das Filipinas. “Tem dia em que você respira fundo e vai para o chuveiro para misturar água e lágrimas”.

Protestos


Na sexta-feira passada, membros da tripulação de um navio fizeram protesto contra o fracasso de uma das maiores corporações do setor em repatriar os funcionários. Em um dos cartazes se lia: “Quantos suicídios mais serão necessários?” No caso de quem está nos EUA, é preciso que as companhias marítimas aceitem cumprir as medidas impostas pelo CDC. Entre elas estão o transporte dos funcionários por meios não comerciais e a garantia de que eles vão permanecer em casa por 14 dias seguidos, o que é considerado inviável pelas empresas.

Enquanto não há uma solução, a vida de cidadãos brasileiros se torna cada dia mais difícil. “Chega uma hora que não dá. Está todo mundo fazendo vista grossa. O índice de contaminação é de 0,07 por tripulante marítimo. Então, por que não podemos descer? São 100 navios só na costa norte-americana”, diz um tripulante, destacando que vem recebendo cuidados da empresa na qual trabalha, como alimentação e assistência médica, além de ter acesso à internet. Nem mesmo no caso de quem tem cidadania americana a situação está melhor. Caso de um músico nascido no Brasil e que atualmente espera um acordo para poder desembarcar do navio que está desde o início de março também ancorado na baía de Manila.

Procurado pela reportagem, o Ministério das Relações Exteriores disse que está se esforçando para ajudar os brasileiros a voltarem ao país. “As representações brasileiras no exterior têm acompanhado os casos de cruzeiros com brasileiros retidos e feito gestões com as autoridades locais e, mais especificamente, junto às empresas de cruzeiros para que cumpram suas obrigações legais quanto ao repatriamento de funcionários e tripulantes. Várias empresas já estão se organizando para levar os navios até portos brasileiros e lá desembarcar os tripulantes de nossa nacionalidade”, afirmou, por e-mail, o departamento de Comunicação Social do Itamaraty, que recomenda aos brasileiros que entrem em contato com o Grupo de Crises por meio de telefone ou com a embaixada ou consulado mais próximos. Procurados por e-mail pela reportagem, duas das maiores companhias marítimas que têm funcionários brasileiros não retornaram até o fechamento desta edição.



receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)