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Estado de Minas

A máscara, uma história de pestilência


postado em 14/05/2020 13:43

Assustada com a propagação de uma doença contagiosa, a população se dota de máscaras improvisadas, apesar dos especialistas duvidarem de sua utilidade. Embora pareça familiar, essa história ocorreu mais de um século atrás, durante a "peste da China".

A ideia de que uma doença pode ser transmitida de uma pessoa para outra existe desde pelo menos o século XVI como "teoria médica séria", explica à AFP William Summers, especialista em história da medicina na Universidade de Yale.

Naquela época, porém, as máscaras eram "mais como amuletos destinados a afastar a influência maléfica", segundo Summers.

Mas em meados do século XIX, a identificação de micróbios permitiu o desenvolvimento de "teorias germinativas" para explicar os mecanismos de infecção.

Assim, na década de 1890, máscaras apareceram nas salas de cirurgia. E foi nesse momento que uma epidemia de peste emergiu em Hong Kong, antes de se espalhar.

Essa pandemia, chamada "peste da China", chegou à Manchúria em 1910. Com uma taxa de mortalidade de quase 100%, temia-se que a doença viajasse através das novas linhas ferroviárias, chegando a Pequim e até à Europa.

"Matava todas as pessoas infectadas, 24 a 48 horas após os primeiros sintomas", explica Christos Lynteris, antropólogo da Universidade de St Andrews, na Escócia. "Foi apocalíptico".

- "Inovador e escandaloso" -

Wu Lien Teh, um jovem médico nascido na Malásia e formado em Cambridge, viajou para a Manchúria e tentou convencer seus colegas de que a peste não era apenas bubônica transmitida pela picada de pulgas infectadas, mas também pulmonar.

Wu argumentava que um paciente com peste pulmonar "podia transmitir a doença a outras pessoas através do ar, sem intervenção das pulgas", explica Lynteris. "Foi inovador e escandaloso" e envolvia o uso de máscara, acrescenta.

Mas, na época, as autoridades de saúde enfrentavam dois grandes obstáculos, segundo Summers, autor de um livro sobre essa epidemia na Manchúria.

O primeiro era político: o "caos" na Manchúria, cujo controle era disputado pelos japoneses e pelos russos contra a dinastia Qing, em declínio.

O segundo era fazer a população, acostumada à medicina tradicional, aceitar uma mudança baseada em uma descoberta científica.

Mas um evento tirou a população de sua "letargia", explica Wu em sua autobiografia: a morte de seu colega francês Gérald Mesny, alguns dias depois de ter sido infectado em um hospital que ele havia visitado sem proteção, por não ter levado a sério o seu jovem colega.

A demanda por máscaras explodiu. "Todo mundo usava na rua, de maneiras diferentes", escreveu Wu.

Imagens da epidemia na Manchúria mostram profissionais de saúde cobertos com ataduras cobrindo toda a cabeça. Aqueles que transportam os corpos seguram tecidos sobre o nariz e a boca.

Wu "tentou desenvolver um sistema de arnês que segurasse a máscara e permitisse que os corpos fossem movidos", explica Lynteris, destacando essa ação "sem precedentes" para proteger os trabalhadores mais expostos e a população em geral.

Graças às imagens da imprensa, a máscara passou a fazer parte da imagem coletiva dessa praga e "da maneira como imaginamos uma epidemia".

Mas mesmo séculos atrás, muito antes das teorias microbianas, as pessoas já protegiam seus rostos.

- Máscaras com ervas aromáticas -

Por exemplo, em face da peste bubônica na Idade Média, o traje complexo dos médicos europeus incluía uma máscara em forma de bico de pássaro, para proteger dos "miasmas", um ar contaminado no qual materiais em decomposição se misturaram a cheiros ruins.

"Acreditava-se então que átomos perigosos não se aderiam às calças de couro ou roupas impermeáveis", explica o historiador Frank Snowden, autor de um livro sobre epidemias.

Snowden descreve esta máscara em forma de bico, que "prolonga o nariz e contém ervas aromáticas para proteger o usuário dos odores mortais do miasma".

Vários séculos depois, as descobertas científicas, de Louis Pasteur a Robert Koch, revolucionaram o entendimento dos mecanismos de infecção.

Mas a China imperial resistiu até a peste da Manchúria. Então, se tornou "líder da modernidade médica", segundo Lynteris.

Com a epidemia de SARS em 2003, as máscaras voltaram a aparecer nas áreas mais afetadas da Ásia, especialmente em Hong Kong.

Mas não é assim no Ocidente. Embora tenham sido usadas nos Estados Unidos durante a famosa "gripe espanhola" de 1918, as sociedades ocidentais "não têm memória" dessa crise, diz Lynteris.

É por isso que "a introdução da máscara na Europa e nos Estados Unidos é uma experiência totalmente nova".


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