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Estado de Minas

Migrantes do Golfo vítimas do coronavírus morrem sozinhos


postado em 22/04/2020 10:07

"Agora morrem sozinhos", suspira Ishwar Kumar, chefe de um crematório hindu, que espera ao lado da ambulância onde repousa o cadáver de um migrante indiano morto por coronavírus, caso um amigo queira se despedir.

Após uma hora de espera e sem que ninguém tenha vindo, quatro funcionários em trajes de proteção transportam o corpo embrulhado em um saco plástico branco para um dos três fornos de cremação.

Em meio a um silêncio total, o homem que trabalhava para uma agência de turismo de Dubai acaba reduzido a cinzas, guardadas em uma caixa prateada.

Nos Emirados Árabes Unidos, uma federação da qual Dubai é um dos sete membros, hospitais, bancos, canteiros de obras e fábricas funcionam graças a milhões de trabalhadores estrangeiros, originários principalmente da Ásia, ou do Oriente Médio.

Como nos outros países ricos do Golfo, muitos estão empregados há décadas. Com isso, sustentam suas famílias que permaneceram no país de origem, na esperança de um dia retornarem de vez e, quem sabe, abrirem seu próprio negócio, ou construírem sua casa.

A maioria das 166 mortes por coronavírus nos países do Golfo, que registraram oficialmente 26.600 casos de contágio, são migrantes de Índia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas e Nepal.

Com a suspensão dos voos, uma das medidas adotadas para combater a pandemia da COVID-19, os restos mortais não podem ser repatriados. São cremados, ou enterrados o mais rápido possível.

"O mundo inteiro está mudando. Ninguém vem, toma conhecimento, nem se despede" do falecido, lamenta Kumar.

Antes da pandemia, "entre 200 e 250 pessoas vinham aqui para chorar e trazer flores", lembra ele.

- "Sem família" -

Horas antes da cremação do trabalhador indiano, também foi cremado o corpo de uma esteticista filipina de 40 anos. Nos atestados de óbito, a mesma causa é mencionada: "pneumonia por COVID-19".

Compradas em um supermercado, as caixas prateadas são entregues a um parente, se houver um em Dubai, ou diretamente à embaixada do país do falecido.

"Eles vieram trabalhar, então, a maioria deles não tem família aqui", diz Suresh Galani, outro diretor do crematório.

Nem todos faleceram pelo coronavírus. Alguns foram indiretamente afetados pela pandemia. É o caso do irmão de Vijay, Ram, que morreu de ataque cardíaco aos 45 anos, após uma quarentena imposta por ter estado em contato com uma pessoa infectada.

"Ram teve resultado negativo após ficar confinado por duas semanas. Sofreu mentalmente e entrou em depressão por causa da solidão", conta Vijay.

Pai de três filhos e funcionário de uma lavanderia, Ram morreu na ambulância que o transportava para o hospital depois de sentir uma forte dor no peito.

No crematório, quatro de seus colegas levaram flores.

"Voltaremos amanhã para recolher as cinzas. Vamos enviá-las para casa, quando os voos recomeçarem", disse Vijay.

- Enterrados in situ -

Alguns trabalhadores estrangeiros, afetados pela paralisia econômica causada pela pandemia, conseguiram retornar nos poucos aviões de repatriamento mobilizados pelas autoridades do Golfo, apesar da suspensão de voos comerciais.

Na Arábia Saudita, "até agora, todas as famílias pediram para enterrar os corpos no local", diz uma fonte do Ministério da Saúde que pediu anonimato.

Entre eles, Wazir Mohammed Saleh, um afegão de 57 anos que vive e trabalha em Medina (oeste) desde os anos 1980, depois de fugir de seu país. Ele administrava uma loja e morreu de coronavírus na semana passada.

Somente seus quatro filhos compareceram ao enterro na cidade santa que abriga o túmulo do profeta Maomé. Seu sobrinho, Amed Khan, nascido no reino, teve de se contentar em ver as fotos do funeral pelo telefone celular.

"Seu sonho era ser enterrado em Medina, e esse sonho foi realizado", disse ele à AFP.

"Nenhuma pessoa que morre em Medina vai querer ser enterrada em outro lugar. Esta terra é conhecida por fazer parte do paraíso", completou.


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