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Estado de Minas

'Cuidem-se: a solidariedade brasileira será necessária', diz jornalista brasileiro em Madri

Brasileiro relata como Madri mudou em quatro dias, da tranquilidade à angústia depois da quarentena. A capital espanhola, agora, é uma cidade silenciosa


postado em 18/03/2020 04:00 / atualizado em 18/03/2020 10:06

Madri, Espanha. Restaurante na Plaza Mayor vazio, por conta da pandemia de coronavírus(foto: Roberto Librizzi )
Madri, Espanha. Restaurante na Plaza Mayor vazio, por conta da pandemia de coronavírus (foto: Roberto Librizzi )

“Cuidem-se aí também” é o que tenho repetido aos parentes e amigos de Belo Horizonte e de Brasília. Eles me escrevem mais frequentemente desde que Madri passou a registrar alta exponencial no número de casos da Covid-19. Testemunhar uma mudança radical no cotidiano da capital espanhola e notar a proximidade da doença transformaram rapidamente minha percepção sobre o problema – sim, é mais grave do que pensava. Transmitir essa sensação de alerta a todos com quem converso no Brasil me parece obrigação. Se cuidem, eu insisto.

Entre os aspectos do coronavírus, talvez a velocidade chame mais a atenção. Assusta o ritmo da propagação e, para moradores de cidades afetadas, assusta também a rapidez com que a rotina se transforma. Depois de uma semana de vertigem, Madri já não é a ruidosa capital dos bares, da gastronomia, dos museus cheios, dos espetáculos, dos parques lotados, dos jogos do Real Madrid ou do Atlético. Um silêncio incomum é a nova marca em muitas ruas da cidade desde sábado (14), quando o governo espanhol decretou estado de alarme e limitou os deslocamentos dos moradores, em Madri e em todo o país.
 
O caminho da tranquilidade à angústia na Espanha foi veloz (e isso pode servir de lição para quem ainda minimiza o problema em outros lugares, talvez influenciado pelo clima de certa normalidade nas ruas). Bastaram quatro dias para Madri revolucionar seu cotidiano. Na quarta-feira (11), as aulas em escolas e universidades foram suspensas. Em seguida, houve cancelamentos em série de shows, eventos esportivos e espetáculos em geral. Na sexta-feira (13), moradores ainda atônitos receberam a notícia de que estabelecimentos deveriam fechar as portas, com poucas exceções (supermercados, farmácias e bancos, por exemplo).

Cenas de Madri em tempos de coronavírus: Avenida Gran Via deserta em decorrência da pandemia de Covid-19(foto: Roberto Librizzi)
Cenas de Madri em tempos de coronavírus: Avenida Gran Via deserta em decorrência da pandemia de Covid-19 (foto: Roberto Librizzi)


O passo seguinte, no sábado (14), foi o mais duro: o governo espanhol decretou estado de alarme e determinou que ninguém saia de casa, a não ser para trabalhar (quando trabalhar de casa não for possível), para comprar alimentos, medicamentos e artigos básicos. A restrição vale por 15 dias, mas membros do governo já admitem que a medida deve ser prorrogada. Um dos objetivos principais do confinamento é o que chamam por aqui de “frear a curva”, ou seja, reduzir o ritmo de contágio para tentar evitar superlotação e colapso dos hospitais.

Como lembrou um jornalista português recentemente, gerações anteriores tiveram de ir à guerra em vez de ficar em casa no sofá, como nos pedem agora. O confinamento em tempos de internet é, portanto, um sacrifício menor. O que não significa que seja simples: conciliar trabalho e estudo com uma criança de 4 anos em casa não tem sido tarefa trivial nem para mim e Daniela, minha companheira, nem para pais de colegas de escola de Gabriel. A paralisação de boa parte da cidade é certamente um problema ainda mais sério para milhares de pessoas que tiveram suas atividades econômicas afetadas, por exemplo.
 
Cidadãos confinados em suas casas saem às varandas para cantar ou aplaudir os trabalhadores do sistema de saúde(foto: Roberto Librizzi)
Cidadãos confinados em suas casas saem às varandas para cantar ou aplaudir os trabalhadores do sistema de saúde (foto: Roberto Librizzi)
 
 
Apesar das dificuldades, os madrilenhos fazem a sua parte. E a cidade se transforma: não há mais o ruído dos bares, o restaurante da esquina não está aberto, muitos ônibus circulam vazios (é o meio de transporte preferido dos idosos). Até bazares e lojas de alimentação de propriedade de chineses, que nunca fecham, baixaram as portas antes mesmo da proibição determinada pelo governo. Na fila do supermercado, muitos clientes usam máscaras e todos buscam manter a distância recomendada de ao menos 1,5m uns dos outros. Luvas e frascos de álcool em gel se tornaram itens quase obrigatórios para quem tem de sair de casa.
 

O silêncio tem sido quebrado ao menos uma vez por dia, no entanto. Em ação combinada pelas redes sociais desde sábado, moradores de diferentes bairros saem às janelas e sacadas dos edifícios às 20h para uma salva de palmas aos trabalhadores do sistema de saúde pública que trabalham por horas e horas a fio. É simples, é singelo, mas é uma demonstração emocionante de preocupação com o próximo. Me faz lembrar que solidariedade também temos de sobra no Brasil. Ela vai ser necessária.

Cuidem-se aí também.



*André Garcia é jornalista, foi editor do Estado de Minas e vive há quase dois anos com 
a mulher e o filho no Bairro Jerónimos, em Madri


O coronavírus na Espanha 

11.178 
casos confirmados


491
mortes


183 
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