Jornal Estado de Minas

'Cuidem-se: a solidariedade brasileira será necessária', diz jornalista brasileiro em Madri

Cidadãos confinados em suas casas saem às varandas para cantar ou aplaudir os trabalhadores do sistema de saúde (foto: Roberto Librizzi)

“Cuidem-se aí também” é o que tenho repetido aos parentes e amigos de Belo Horizonte e de Brasília. Eles me escrevem mais frequentemente desde que Madri passou a registrar alta exponencial no número de casos da Covid-19. Testemunhar uma mudança radical no cotidiano da capital espanhola e notar a proximidade da doença transformaram rapidamente minha percepção sobre o problema – sim, é mais grave do que pensava. Transmitir essa sensação de alerta a todos com quem converso no Brasil me parece obrigação. Se cuidem, eu insisto.



Entre os aspectos do coronavírus, talvez a velocidade chame mais a atenção. Assusta o ritmo da propagação e, para moradores de cidades afetadas, assusta também a rapidez com que a rotina se transforma. Depois de uma semana de vertigem, Madri já não é a ruidosa capital dos bares, da gastronomia, dos museus cheios, dos espetáculos, dos parques lotados, dos jogos do Real Madrid ou do Atlético. Um silêncio incomum é a nova marca em muitas ruas da cidade desde sábado (14), quando o governo espanhol decretou estado de alarme e limitou os deslocamentos dos moradores, em Madri e em todo o país.
 
O caminho da tranquilidade à angústia na Espanha foi veloz (e isso pode servir de lição para quem ainda minimiza o problema em outros lugares, talvez influenciado pelo clima de certa normalidade nas ruas). Bastaram quatro dias para Madri revolucionar seu cotidiano. Na quarta-feira (11), as aulas em escolas e universidades foram suspensas. Em seguida, houve cancelamentos em série de shows, eventos esportivos e espetáculos em geral. Na sexta-feira (13), moradores ainda atônitos receberam a notícia de que estabelecimentos deveriam fechar as portas, com poucas exceções (supermercados, farmácias e bancos, por exemplo).

Madri, Espanha. Restaurante na Plaza Mayor vazio, por conta da pandemia de coronavírus (foto: Roberto Librizzi )


O passo seguinte, no sábado (14), foi o mais duro: o governo espanhol decretou estado de alarme e determinou que ninguém saia de casa, a não ser para trabalhar (quando trabalhar de casa não for possível), para comprar alimentos, medicamentos e artigos básicos. A restrição vale por 15 dias, mas membros do governo já admitem que a medida deve ser prorrogada. Um dos objetivos principais do confinamento é o que chamam por aqui de “frear a curva”, ou seja, reduzir o ritmo de contágio para tentar evitar superlotação e colapso dos hospitais.



Como lembrou um jornalista português recentemente, gerações anteriores tiveram de ir à guerra em vez de ficar em casa no sofá, como nos pedem agora. O confinamento em tempos de internet é, portanto, um sacrifício menor. O que não significa que seja simples: conciliar trabalho e estudo com uma criança de 4 anos em casa não tem sido tarefa trivial nem para mim e Daniela, minha companheira, nem para pais de colegas de escola de Gabriel. A paralisação de boa parte da cidade é certamente um problema ainda mais sério para milhares de pessoas que tiveram suas atividades econômicas afetadas, por exemplo.
 
 
 
Apesar das dificuldades, os madrilenhos fazem a sua parte. E a cidade se transforma: não há mais o ruído dos bares, o restaurante da esquina não está aberto, muitos ônibus circulam vazios (é o meio de transporte preferido dos idosos). Até bazares e lojas de alimentação de propriedade de chineses, que nunca fecham, baixaram as portas antes mesmo da proibição determinada pelo governo. Na fila do supermercado, muitos clientes usam máscaras e todos buscam manter a distância recomendada de ao menos 1,5m uns dos outros. Luvas e frascos de álcool em gel se tornaram itens quase obrigatórios para quem tem de sair de casa.
 

O silêncio tem sido quebrado ao menos uma vez por dia, no entanto. Em ação combinada pelas redes sociais desde sábado, moradores de diferentes bairros saem às janelas e sacadas dos edifícios às 20h para uma salva de palmas aos trabalhadores do sistema de saúde pública que trabalham por horas e horas a fio. É simples, é singelo, mas é uma demonstração emocionante de preocupação com o próximo. Me faz lembrar que solidariedade também temos de sobra no Brasil. Ela vai ser necessária.



Cuidem-se aí também.



*André Garcia é jornalista, foi editor do Estado de Minas e vive há quase dois anos com 
a mulher e o filho no Bairro Jerónimos, em Madri


O coronavírus na Espanha 

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