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Estado de Minas BREXIT

Reino Unido deixa a União Europeia

País oficializa saída da UE e põe fim a um casamento de 47 anos. Premiê festeja e analistas veem risco de contágio


postado em 01/02/2020 06:00 / atualizado em 01/02/2020 07:36

Britânicos favoráveis à saída do bloco comemoraram a formalização do 'divórcio' na noite de ontem. Houve protesto de quem foi contra(foto: Daniel Leal-Olivas/AFP)
Britânicos favoráveis à saída do bloco comemoraram a formalização do 'divórcio' na noite de ontem. Houve protesto de quem foi contra (foto: Daniel Leal-Olivas/AFP)

A contagem regressiva foi projetada sobre a fachada de 10 Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro. Na Praça do Parlamento, no coração de Londres, a multidão celebrava o fim de um casamento que durou 47 anos. Às 23h de ontem (20h em Brasília), o Reino Unido abandonava oficialmente a União Europeia (UE), em um processo batizado de Brexit, fazendo valer a vontade popular expressa no referendo de 23 de junho de 2016. Em pronunciamento solene gravado à nação, uma hora antes, o premiê Boris Johnson adaptou uma frase usada pelo antecessor Winston Churchill, que governou a nação por duas vezes (1940-1945 e 1951-1955). “Este não é um fim, mas um começo. Este é o momento em que a aurora se abre, e a cortina sobe, em um novo ato em nosso grande drama nacional”, declarou. “Nós redescobriremos músculos que não usamos por décadas, o poder do pensamento e da ação independentes. (…) Uma Grã-Bretanha que é simultaneamente uma grande potência europeia e verdadeiramente global em nosso alcance e em nossas ambições.”
Ao abandonar o bloco continental, o Reino Unido deu um salto no escuro em busca de autonomia e pode fomentar anseios independentistas. “Este é o alvorecer de uma nova era, na qual não mais aceitaremos que nossas chances da vida deveriam depender de qual parte do país crescemos. Este é o momento em que começamos a nos unir e a subir de nível”, comentou Johnson, em um provável recado aos escoceses. Ele expressou o desejo de “uma nova era de cooperação cordial” com a União Europeia. “Nós recuperamos as ferramentas do autogoverno. É hora de usá-las para liberar todo o potencial deste país brilhante e aprimorar a vida em todos os cantos do nosso Reino Unido”, comentou. Contudo, esta é uma data sobretudo simbólica, porque, na prática, quase nada mudará até o fim do período de transição, no fim de dezembro.

Defensores do Brexit se reuniram com bandeiras britânicas para uma grande festa diante do Parlamento de Westminster, que durante três anos foi cenário dos intensos debates sobre a questão mais importante e divisiva na história recente do país. A poucos metros, os críticos do Brexit, entre eles jovens que não votaram no referendo de 2016, caíam no choro. Muitas águas rolaram desde a vitória do do Brexit na consulta de 2016, quando 52% dos britânicos votaram a favor da saída do bloco europeu. Contudo, uma pesquisa publicada esta semana aponta que apenas 30% dos pró-UE concluíram o “luto” psicológico da ruptura.

Rob Dover, professor de inteligência e segurança nacional cpela Universidade de Leicester (Reino Unido), admitiu ao Estado de Minas o perigo de o Brexit contagiar o restante da Europa. “Se você escutar as narrativas de políticos eurocéticos em todo o continente, eles adotam narrativas similares sobre serem dominados pela União Europeia, em uma espécie de vassalagem; sobre serem a voz do cidadão comum; ou sobre a urgência de retomarem o controle sobre a nação. De fato, as narrativas são tão similares que parecem coordenadas, ou mesmo cópias umas das outras”, afirmou. “Para algumas nações, como Polônia, Itália e Grécia, a adesão à UE pode se tornar enganosa ou duvidosa”, acrescentou.

No âmbito do Reino Unido, Dover crê que a Irlanda do Norte se tornará parte de uma Irlanda unificada na próxima década. Ele também aposta na autonomia da Escócia e ressalta a narrativa de que os escoceses votaram pela permânencia no reino para preservarem sua participação na UE. “Fora do bloco, eles provavelmente votarão pela independência, para forçarem uma reanexação.”

Diretor do Centro para Política e Governo Britânicos e do Departamento de História e Política do King’s College London, Andrew Blick advertiu que, caso o Brexit reverta benefícios para o Reino Unido, a Itália, outro país-membro da União Europeia, poderia realizar um referendo separatista. Mas o divórcio entre Londres e Bruxelas deve ressoar com mais força na Escócia. “O governo nacionalista escocês utiliza o Brexit como uma base para revigorar o movimento independentista, sob o argumento de que a Escócia se opôs à separação”, explicou à reportagem.

A preocupação quanto ao Brexit inspirar outros povos é compartilhada por Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham (Reino Unido). Segundo ele, simpatizantes do divórcio, como Nigel Farage, líder do Partido Brexit, e o deputado conservador Steve Baker, têm abertamente declarado que desejam ver a União Europeia destruída. “Caso o Brexit se revele um sucesso estrondoso, isso poderia ser contagioso. Ele representa o triunfo do nacionalismo inglês e o otimismo ante o modernismo e a integração. Há um punhado de nacionalistas na Europa. Em certo sentido, o Brexit é sobre o nacionalismo inglês, mas também sobre o nacionalismo escocês e irlandês”, avaliou ao EM.

Consequências Os impactos do Brexit à economia e à política do Reino Unido são tão incertos quanto o cenário financeiro do país. A moeda britânica perdeu 18% de seu valor, e o país faz empréstimos de até 48 bilhões de libras esterlinas (4% do Produto Interno Bruto) para financiar um programa de renovação econômica. “A dúvida é se os credores poderão devolver essas quantias, em caso de estagnação. A dívida total do Reino Unido soma 8 trilhões de libras esterlinas, ou 86% do PIB. Em outras palavras, o Brexit é uma grande aposta. Os economistas preveem que, ao longo da década, as políticas de Johnson levarão a um declínio de 7% no crescimento aguardado. Estaremos 7% mais pobres do que se estivéssemos na UE”, disse Glees.

Ele alerta que, nos setores da produção de bens industriais e de agroalimentos, o Reino Unido dará um passo gigantesco para trás, de mais de 60 anos. “O sonho do Brexit é de o país se tornar uma espécie de Cingapura ou Taiwan às margens do Rio Tâmisa, com baixos impostos, alta produtividade e serviços orientados”, disse Glees.

Risco de isolamento A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, advertiu para os riscos de um “isolamento esplêndido”, referência ao termo usado para definir a política externa do Reino Unido no Século 19, quando o país permaneceu à margem do continente europeu. A partir de hoje, embora pouco mude na realidade no período de transição previsto até dezembro, o Reino Unido cavalgará de modo solitário. Johnson terá pela frente a difícil missão de negociar acordos comerciais com a UE, mas também com os Estados Unidos, sua grande aposta para substituir seu principal sócio nesta área.

O Brexit é "um sinal de alerta histórico, que deve ressoar em cada um de nossos países", considerou o presidente francês, Emmanuel Macron, enquanto a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou que a data representa uma verdadeira "ruptura" para a Europa. Os líderes da União Europeia (UE) saúdam “uma Europa no alvorecer de uma nova era” e lembram o Reino Unido de que perderá “os benefícios” de um Estado-membro, após o Brexit, em uma carta publicada ontem, dia do histórico divórcio. “Quando escurecer à noite, o sol se põe com mais de 45 anos o Reino Unido pertencendo à UE... No entanto, amanhã (hoje) também começará um novo dia para a Europa", disseram os líderes dos três principais instituições europeias. (C0m agências)


Personagens de 
uma tragicomédia

Após anos de negociações com obstáculos e dramas protagonizados por diversas personalidades políticas, o Reino Unido deixou de integrar a União Europeia.

Cameron versus conservadores eurocéticos

» Em 2015, o então primeiro-ministro David Cameron, defensor da continuação do Reino Unido na UE, propôs a convocação de um referendo sobre o Brexit para acalmar os ânimos sobre as diferentes opiniões que há anos dividiam o seu partido conservador.

» Cameron governava em coalizão com os liberal-democratas e estava convencido de que eles o impediriam.

» Porém, nas eleições seguintes os membros liberal-democratas desapareceram do mapa e o primeiro-ministro teve que cumprir a sua promessa.

» A votação foi agendada para 23 de junho de 2016. Cameron fez campanha contra o Brexit e, após resultado favorável à saída do Reino Unido da UE no referendo, renunciou ao cargo.

May encurralada por Miller e Bercow

» A ministra do Interior de Cameron, Theresa May, que apesar de ser eurocética também fez campanha contra o Brexit, foi designada a substituí-lo no cargo.

» Convencida de que sua missão era cumprir com o desejo dos 52% dos britânicos que foram favoráveis ao Brexit, e temendo os 48% que votaram contra, entrou em negociação com Bruxelas que não agradou a nenhum dos dois lados.

» Na tentativa de reforçar a sua imagem, antecipou as eleições legislativas para junho de 2017, após ser convencida por pesquisas que apontavam resultados positivos.

» No entanto, May perdeu na maioria absoluta e ficou diante de um Parlamento fragmentado.

» A ativista pró-europeia Gina Miller, diretora de um fundo de investimentos, conseguiu, após forte batalha legal, que o Supremo Tribunal Britânico avançasse com o julgamento do Brexit no Parlamento.

» A sessão, liderada pelo presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, que foi acusado de favorecer os pró-europeus, recusou o acordo proposto por May, que acabou renunciando ao cargo em julho de 2019.

Johnson, Farage e Cummings

» Boris Johnson, ex-ministro das Relações Exteriores de May, que deixou o seu governo por não concordar com a estratégia da então primeira-ministra diante da UE, assumiu o cargo.

» Junto ao populista Nigel Farage, do qual tentou manter-se distante, Johnson foi uma das principais personalidades da campanha favorável ao Brexit.

» Em seus primeiros meses no poder, sofreu inúmeros contratempos legais e parlamentares.

» Porém, com a promessa de um Brexit “a qualquer custo”, conseguiu renegociar com Bruxelas o acordo que parecia estagnado. Quando não conseguiu aprová-lo a tempo da votação no Parlamento, Johnson convocou legislativas nas quais obteve a maioria absoluta.

» O Brexit é a sua grande vitória pessoal e o legitima a nível nacional e internacional, apesar da sua reputação de nem sempre se comprometer com a verdade quando se beneficia disso.

Barnier, Juncker e Tusk

» O ex-ministro francês de Relações Exteriores e ex-comissário europeu, Michel Barnier, ressurgiu em 2016 para liderar a equipe de negociações para administrar o acordo do Brexit em Londres.

» Ele estabeleceu que todos os encontros ocorressem em Bruxelas e que a futura relação com a UE apenas fosse negociada após as condições para o “divórcio” estivessem resolvidas.

» Barnier se tornou um negociador implacável e pretende continuar sendo durante a próxima fase, que trata da discussão do acordo comercial.
» Como presidente da Comissão Europeia, o ex-primeiro ministro luxemburguês Jean-Claude Juncker acompanhou o Brexit desde o início, até deixar o cargo em dezembro.

» Também acompanhou o processo o colega Donald Tusk, ex-primeiro-ministro polaco que presidiu o Conselho Europeu de 2014 a 2019.

» Ambos contribuíram com palavras impactantes e por vezes polêmicas durante o processo.

» “Me pergunto como é o lugar especial no inferno para aqueles que defenderam o Brexit sem nem ao menos pensar em um plano sobre como efetivamente fazê-lo funcionar”, declarou Tusk.

Donald Trump e sua opinião

» Desde que assumiu o poder, o presidente americano Donald Trump entou opinar no processo durante vários momentos ao longo desses anos.

» Criticou a estratégia negociadora de May, aconselhando-a a optar por um Brexit simples e sem acordo, e para valorizar o seu amigo Boris Johnson, a quem considerava o homem certo para essa missão.

» Após o Brexit, Trump aponta como prioridade absoluta a negociação de um acordo de Livre Comércio dos EUA com Londres.


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