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Estado de Minas AMÉRICA DO SUL

Entenda o que explica a onda de manifestações na América do Sul

Especialistas atribuem protestos no Chile, Bolívia e Equador à incapacidade do sistema político-econômico de atender a demandas sociais e propor futuro digno para a maioria da população


postado em 03/11/2019 04:00 / atualizado em 02/11/2019 21:54

A polícia chilena tem reprimido o levante nas ruas com violência, o que deixou 23 mortos em duas semanas(foto: Javier Torres/AFP)
A polícia chilena tem reprimido o levante nas ruas com violência, o que deixou 23 mortos em duas semanas (foto: Javier Torres/AFP)

 
Brasília – Manifestantes reprimidos pelas forças de segurança, em cenas que remontam aos anos de chumbo. Outubro cortejou as memórias da ditadura na América do Sul. Os protestos começaram no Equador, quando o direitista Lenín Moreno pôs fim aos subsídios sobre os preços dos combustíveis, o que levou a aumento exorbitante. Os confrontos com a polícia deixaram oito mortos. Onze dias depois, Moreno retrocedeu e anulou o decreto. Outra revolta social impactou o Chile, e um protesto contra o aumento na tarifa do metrô se tornou ato contra o também direitista Sebastián Piñera.

Acuado, Piñera impôs toque de recolher em Santiago e nas principais cidades do país. Saques, violência e reação desmedida dos militares fizeram 23 mortos nas últimas duas semanas. Na Bolívia, suspeitas de fraude nas eleições, que deram o quarto mandato ao socialista Evo Morales, também detonaram um levante popular. Especialistas consultados pelo Estado de Minas atribuem a instabilidade nessas nações à crise dos processos democráticos na região.

Professor de política comparativa e da América Latina pela London School of Economics (LSE), o uruguaio Francisco Panizza admite que as democracias nessa área do planeta sofrem de um conjunto de debilidades importantes. “Elas incluem fragilidades dos mecanismos de representação política, tais como partidos; percepções de que os governos beneficiam poucos, e não a maioria da população; serviços públicos de má qualidade; altos níveis de corrupção; e quase nenhuma confiança nas instituições”, observa. “Se a isso somarmos níveis de desigualdade bastante altos e economias que cresceram pouco ou nada nos últimos cinco anos, temos todos os ingredientes para o mal-estar político atual.”

Panizza recorda que Brasil e Chile eram reconhecidamente as democracias mais consolidadas da América Latina. “Os eventos dos últimos anos e das últimas semanas nos mostram que importantes patologias políticas e sociais estavam ocultas por trás dessa percepção, especialmente sistemas políticos com baixa capacidade de processar demandas sociais legítimas, além da falta de mecanismos institucionais de participação política”, comentou.

A recente eleição da chapa peronista Alberto Fernández—Cristina Kirchner na Argentina sugere, segundo Panizza, que a democracia está muito mais arraigada. “As recentes eleições são exemplo de sistema político organizado em um bloco de centro-esquerda e em um de centro-direita, sem espaço para atores extrainstitucionais”, disse. Para Juan Battaleme, especialista em defesa e em política externa do Centro de Estudios Macroeconómicos de Argentina (Cema), existem diversos graus de institucionalização dos processos democráticos na América Latina.

“O principal problema é que esses processos não canalizam nem resolvem tensões sociais, as quais se dirimem nas ruas, como ocorre sempre em todos os movimentos que emergem de sistemas políticos em crise”, explicou Battaleme. O especialista adverte sobre o risco de convulsão social no Brasil e lembra que ele se insere na instabilidade dos oficialismos, perpassando rótulos de esquerda ou direita. “Quando os oficialismos são de direita ou 'não populares', as expressões 'anti' se tornam muito abertas e explícitas. A resistência à potencial instauração de governos populistas é igual em todos os países. Não se trata de falar de ganhadores e perdedores, mas da expectativa de milhares de homens e mulheres sobre seu futuro e sua integração funcional na sociedade.”

FOCO NA MINORIA O boliviano Máximo Quitral — diretor do Instituto de Política Latino-Americana (Ipolat), em Santiago do Chile — entende que as democracias sul-americanas não estão robustas e enfrentam reverberações das ditaduras. “Os fantasmas dos golpismos seguem presentes. O presidencialismo, enquanto regime político, é uma fórmula um tanto esgotada, que necessita de revisão”, diz.

Segundo Quitral, os protestos no Equador, e, em especial, no Chile, respondem a uma dor social contra o sistema neoliberal. Ele acusa os governos de direita de impulsionar medidas que têm reforçado o neoliberalismo, muitas delas impopulares. “No fundo, o que se observa é um cansaço social de um sistema econômico que privilegia a minoria em detrimento da maioria. Se, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro pensa aplicar medidas similares às impulsionadas no Chile, as probabilidades de convulsões sociais são altíssimas, sobretudo pelo fato de o país estar bastante polarizado”, adverte.
 

Três perguntas para...


Ernesto Samper, ex-presidente da Colômbia e secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)

Como o senhor analisa as democracias na América do Sul ante os atuais levantes sociais?
As propostas que estão se sucedendo na América do Sul marcam o começo do fim do último experimento neoliberal na região. A restauração anunciada por governos de ideologia de direita, por meio do grupo Prosul, que era mais Pronorte, indica que a democracia das ruas chegou a essa parte do mundo. Está claro que o povo se levanta contra o populismo fiscal que remove impostos das classes altas e tira os subsídios das mais baixas. Contra o populismo punitivo, que criminaliza o protesto social e eleva as penas e as condenações para todos os delitos.

As democracias no Brasil, no Chile e na Argentina têm apenas 30 anos. Isso torna os governos muito mais débeis e expostos a crises frequentes?
Não se mede a democracia por anos, mas por eleições. O certo é que, nos últimos anos, desde o fim das ditaduras militares, a região realizou mais de 120 eleições, por meio das quais renovou seus mandatos e escolheu distintos projetos políticos sem considerações de ideologia. Hoje em dia, seria impensável um golpe militar nos anos 1960, como Trump tentou fazer poucos meses atrás contra a Venezuela. As Forças Armadas compreenderam que seu papel não podia ir mais além dos quartéis. O que não significa que eles não estejam preparando outros tipos de mudança que poderiam afetar a democracia, como a falta de legitimidade pela aplicação de políticas neoliberais como as que abriram caminho para a presidência de Alberto Fernández, na Argentina.

As velhas alternativas de poder se revelam muito mais interessantes do que as novas correntes políticas?
Creio que a região, como no caso das serpentes da Amazônia, está mudando novamente de pele. Espero que quando o pêndulo chegar ao fim renasçam as propostas progressistas. O Brasil, a Argentina e o México liderarão o renascimento do progressismo na América Latina, isso eu asseguro. (RC) 


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