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Estado de Minas

Desminar a Colômbia, tarefa de ex-guerrilheiros que espalharam explosivos


postado em 30/10/2019 08:31

Uma granada arrancou as mãos de Edwin Correa. Mas o guerrilheiro das Farc se manteve fiel à luta armada até a assinatura do acordo de paz, há quase três anos. Agora, como especialista em explosivos, faz parte de um novo batalhão que atua na desminagem da Colômbia.

"Praticamente toda a minha vida foi na guerrilha. Hoje em dia, estamos dedicados à desminagem humanitária (...) Instalamos minas e hoje em dia somos nós mesmos que as tiramos", explicou à AFP este ex-guerrilheiro de 36 anos.

Sem ajuda, ele veste um colete blindado e capacete com viseira para se proteger dos estilhaços de explosivos. Combatente das Farc desde os 14 anos, perdeu as duas mãos antes dos 19. Mas nunca conseguiu usar uma prótese.

Ele conta que se sentia ainda mais incapacitado, enquanto faz uma mímica como se acomodasse um fuzil no ombro com a munheca esquerda. Para ativar o gatilho, usava um cordão.

Sob suas ordens, quatro ex-guerrilheiros com detectores de metal avançam em local trilha demarcado por bastões brancos, que leva a uma área de mata que estaria repleta de explosivos, em La Montañita.

Situada no coração do coração de Caguán, no departamento (estado) de Caquetá (sul), reduto da dissolvida guerrilha marxista, este é um dos municípios com mais vítimas de minas antipessoais.

- Plantio sem medo -

Agora, o local abriga a sede da Humanicemos DH, uma ONG criada "por e para ex-combatentes" que querem se reincorporar como profissionais da desminagem, explica seu dirigente, a ex-comandante Ángela Orrego, de 50 anos.

Sete mil guerrilheiros depuseram as armas após a assinatura do acordo de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) - criadas em 1964 - e o governo do presidente Juan Manuel Santos, em 24 de novembro de 2016.

Com uma centena de companheiros, Edwin se integrou à Humanicemos DH no ano passado. Hoje, manipula seu equipamento com a mesma destreza com que lava sua roupa ou serve seu café.

Além das aulas de informática, comunicação, inglês e medicação, os ex-guerrilheiros se formam com base em um guia do serviço de ação anti-minas das Nações Unidas (Unmas).

Depois do Afeganistão, a Colômbia é o país mais afetado por estes explosivos. Guerrilheiros, paramilitares e agentes da força pública instalaram minas antipessoais em 31 dos 32 departamentos (estados) do país no âmbito de um conflito que ainda produz massacres, sequestros e atentados.

Após ter manipulado estes artefatos durante anos, Edwin se sente "útil" em "poder ajudar o camponês (...), deixar suas terras livres da suspeita de minas, que possam colher, andar tranquilos".

- Minas e narcocultivos -

Desde 1985, as minas e as munições sem detonação afetaram cerca de 11.780 pessoas, das quais 20% morreram, segundo o escritório do Alto Comissariado para a Paz.

Estas "seguem condicionando a vida de milhões de pessoas, pois se estima que a cada hora, estes artefatos façam uma nova vítima", lembra o Centro Nacional de Memória Histórica (CNMH).

Financiada pela ONU e a União Europeia, com um orçamento anual de um milhão de euros, a Humanicemos DH tem escritório em Bogotá.

Mas seus homens e mulheres treinam em La Montañita, perto do Espaço Territorial de Capacitação e Reincorporação de Água Bonita, onde vivem 300 ex-guerrilheiros e seus familiares.

"Ali ocorreram muitos combates entre exército, guerrilha, paramilitares porque aqui tem coca", matéria-prima da cocaína, lembra o encarregado técnico da Humanicemos DH, Germán Balanta, de 55 anos.

Em uma guerra civil como a da Colômbia, as minas, explica, são "uma arma importante que, de alguma forma, permite que forças pequenas possam competir com forças maiores".

Ainda são usadas pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), última guerrilha em atividade, por dissidentes das Farc, que rejeitaram o acordo de paz e por bandos para "proteger" os narcocultivos.

Porfirio Andrade, representante de uma associação de vítimas, citado em "A Guerra escondida", um relatório do CNMH, lembra que os guerrilheiros "diziam que eles tinham que utilizar isso ainda que por defesa própria, mas na realidade em uma zona cocalera, as minas são (...) para matar a gente".

Muitas vezes fabricados com os meios disponíveis - garrafas de plástico, vidro ou PVC -, e montados com uma mola e um sensor, os artefatos contêm TNT, um explosivo resistente à umidade. Uma mina pode permanecer ativa por até 15 anos.

- Suspense -

Além de sua durabilidade, não há coordenadas para localizá-las. Muitas vezes foram instaladas rapidamente para frear um ataque inimigo por combatentes agora mortos ou em áreas onde a vegetação mudou ou onde a terra foi mexida por um sismo. Tudo isso dificulta encontrá-las.

"A desminagem da Colômbia vai durar uma geração, dezenas de milhares de especialistas e muita cooperação internacional", advertiu em 2015 o então ministro da Defesa Luis Carlos Villegas em entrevista à AFP antes da assinatura do acordo de paz.

Signatária da Convenção de Ottawa sobre a proibição de minas antipessoais, a Colômbia aspira a ser declarada livre destes explosivos em 2021. Mas o governo do presidente Iván Duque anunciou em março que pediria uma prorrogação.

Por outro lado, devido a um imbróglio jurídico, os ex-guerrilheiros da Humanicemos DH ainda não podem se juntar aos cerca de 6.000 desminadores de entidades civis e militares credenciadas.

Sua certificação corre por conta da Organização de Estados Americanos (OEA), mas a entidade não pode garantir o processo porque é financiado por Washington, que mantém os ex-combatentes das Farc em sua lista de terroristas.

A ONU está disposta a assumir a responsabilidade. "Estamos em negociações com o governo (...) para que possamos realizar esta tarefa", disse o diretor do programa da Unmas, Jan Philip Klever.

"Tomara se resolva em pouco tempo!", acrescentou. "Corremos o risco de que este projeto não continue" e que os ex-guerrilheiros fiquem na rua, formados em vão.


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