Juan Guaidó chegou 15 minutos antes da hora marcada ao prédio em que mantém um escritório clandestino em Caracas. No edifício aparentemente abandonado, onde há muito espaço para poucos funcionários, o autodeclarado presidente interino da Venezuela concedeu uma entrevista ao Estado, justamente quando a ONU difundia um duro relatório sobre violações do governo de Nicolás Maduro - segundo o levantamento, o chavismo matou 14 pessoas por dia em 2018.
Guaidó reconheceu erros nas tentativas de derrubar o chavista, explicou por que o governo não o prende, comentou sua queda de popularidade e, mais de uma vez, afirmou que os problemas do país não são ideológicos. "O que acontece na Venezuela não tem nada a ver com esquerda nem direita." A seguir, os principais trechos da conversa com o Estado.
Vários opositores foram detidos e condenados. Por que o chavismo não o prende?
O chavismo tem medo em geral. Medo da cidadania, pois temos o amplo respaldo da maioria. Estamos amparados por nossa Constituição e temos amplo respaldo não apenas dos EUA, mas também dos países do mundo que me reconhecem como presidente interino.
O Brasil disse não aceitar uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, apesar de o senhor ter dito que isso pode ser necessário. O que mais o governo Bolsonaro pode fazer?
O governo Bolsonaro tem nos apoiado de maneira determinada.
Bolsonaro deu a carta diplomática a seu representante no Brasil, o que incomodou os militares brasileiros que vêm conversando com os militares venezuelanos. O que o senhor pediria aos militares do Brasil?
Eles sabem o que está acontecendo na Venezuela. Além de seu respaldo, tive a oportunidade de falar com o vice-presidente (Hamilton) Mourão em Bogotá, na cúpula do Grupo de Lima. Eu lhes peço o que nos têm dado, apoio.
O sr. é do partido de Leopoldo López.
Isso vai ser determinado em primárias ou pelo consenso. Leopoldo é coordenador do partido no qual milito e fundamos há quase 9 anos. O que posso dizer é que dentro da unidade (Mesa da Unidade Democrática, MUD), dentro das alternativas no governo interino, vai ser muito simples.
Assim que tiver o poder de forma efetiva, qual será sua primeira medida?
A atenção de emergência humanitária. Hoje, vivemos a pior crise humanitária na região. E estamos perto de ser a pior do mundo, somente comparável a países em guerra civil. Houve 60% de contração do PIB.
Pode haver espaço para a esquerda moderada e a direita moderada na Venezuela?
Definitivamente, o problema na Venezuela não é ideológico. Quiseram vender assim no mundo para tentar tomar parte ou simplificar a grave tragédia que a Venezuela vive. O que acontece na Venezuela não tem nada a ver com esquerda ou direita.
Os chavistas criticam governos de direita anteriores a Chávez. O sr. reconhece os erros desses governos?
O primeiro governo de Maduro formou um ditador. Mas, antes da ditadura o governo era de Maduro e o anterior foi Chávez. O anterior a Chávez foi Chávez e o anterior a Chávez foi Chávez (Guaidó se refere às consecutivas eleições de Chávez à presidência, de 1998 a 2012). Foram 20 anos. Eu não votava. Quando Chávez foi eleito (pela primeira vez), eu era menor de idade.
O sr. cometeu algum erro nos últimos meses?
Tivemos dificuldades, mas tivemos acertos. Hoje, somos reconhecidos por 54 países e devemos chegar a mais de 60 nos próximos dias. Meu chefe de gabinete (Roberto Marrero) está preso, sequestrado. O primeiro vice-presidente do Legislativo (Édgar Zambrano) está sequestrado. Meu irmão tem ordens de captura contra ele simplesmente por ser meu irmão. Recebo ameaças de morte diariamente. É uma ditadura sangrenta e não tenho dúvida de que cometemos erros, mas o mais importante é que mantivemos apoio popular, não a mim, mas ao desejo de mudança.
Haverá mais mortes antes de a crise acabar?
Houve morte no fim de semana com a tortura e o assassinato do capitão de corveta (Rafael Acosta Arévalo, detido sob a acusação de atentar contra Maduro). Hoje, crianças estão morrendo por falta de comida, por falta de medicamentos. Hoje, estão cruzando a fronteira meninas que vão ser cooptadas a se prostituir. Na fronteira marítima, em direção a Trinidad e Tobago, no último mês, 89 pessoas morreram ou desapareceram no mar.
Por que o sr. vem perdendo popularidade?
Hoje, todos temos parentes que foram embora e queremos que eles voltem. Hoje, não podemos conviver com nossa família porque não conseguimos comida. Sim, pesquisas dizem que perdi 2 pontos em relação ao mês passado, mas com relação a janeiro, quando começamos esse processo, nosso apoio é 4,5% maior. Não perdemos força. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo..