Jornal Estado de Minas

Descobertos na Ásia Central indícios do uso mais antigo da maconha

Em um cemitério localizado na cordilheira do Pamir, na Ásia Central, predominam notas de uma harpa antiga, um forte aroma de zimbro e um odor ainda mais intenso de maconha.

Estamos em uma cerimônia em homenagem aos deuses, ou aos mortos, há 2.500 anos.

Os rituais, reconstituídos por arqueólogos a partir de escavações neste local situado na província chinesa de Xinjiang, representam o uso mais antigo da cannabis, conhecida por suas propriedades psicoativas.

A descoberta, publicada nesta quarta-feira (12) na revista Science Advances, acrescenta cannabis à maçã, às nozes e a muitos cultivos que evoluíram durante séculos às suas formas modernas ao longo das rotas da seda, disse Robert Spengler, o principal arqueobotânico que participou do estudo.

"As rotas comerciais dos primeiros Caminhos da Seda funcionavam mais como os raios de uma roda do que como um caminho longo e reto, o que situava a Ásia Central no coração do mundo antigo", disse o cientista, que trabalha no Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana da Alemanha.

Uma forma mais antiga de cannabis no leste da China foi domesticada pelos humanos por seu óleo e sua fibra há seis mil anos: o cânhamo. Mas este cânhamo não tinha as mesmas propriedades psicoativas.

O local em questão é o cemitério de Jirzankal, perto da fronteira atual entre a China e o Tadjiquistão.

Os arqueólogos descobriram, em oito túmulos, um total de dez grandes bacias de madeira que contêm pedras com vestígios de fogo.

O cemitério em si tem características notáveis. Localizado mais de 3.000 metros acima do nível do mar, sua superfície está coberta de seixos e pedras brancas e pretas, que formam grandes faixas intermitentes. Montes funerários salpicam a paisagem.

- Heródoto já falava em cannabis -

Os cientistas analisaram as bacias de madeira e as pedras queimadas usando uma técnica de cromatografia (espectrometria de massas), empregada frequentemente pela Polícia científica e cada vez mais pelos arqueólogos.

O princípio desta técnica é que os componentes químicos são separados para identificá-los em nível molecular.

"Para nosso deleite, encontramos os biomarcadores da cannabis e, em particular, os componentes químicos relacionados às suas propriedades psicoativas", disse Yimin Yang, coautor do estudo e professor da Universidade da Academia Chinesa de Ciências.

As moléculas detectadas foram principalmente de canabinol (CBN). O principal ingrediente psicoativo da cannabis, o tetraidrocanabinol (THC), se torna CBN em contato com o ar.

A descoberta das harpas angulares, instrumentos usados nos funerais, e do conteúdo das bacias de madeira de zimbro, que liberam um forte cheiro de resina, acabam completando o quadro ritual: pessoas reunidas em volta de uma espessa nuvem alucinógena para uma celebração.

- Quem eram os mortos? -

As tumbas continham ao mesmo tempo uma pessoa morta, aparentemente por causas naturais, e corpos com marcas de golpes, sinais que sugerem possíveis sacrifícios humanos.

Exames de DNA, que estão sendo realizados, podem ajudar a revelar se os mortos pertenciam à mesma família.

Duas teorias poderiam explicar o aparecimento gradual, ao longo dos séculos, de uma cannabis com concentração cada vez maior de THC.

Ou a cannabis foi selecionada metodicamente pelos produtores que queriam aumentar os níveis de THC ou evoluiu por "hibridação", através do transporte e dos intercâmbios humanos, favorecendo os cruzamentos entre diferentes variedades.

Estes trabalhos completam um pouco mais um antigo quebra-cabeça sobre o uso antigo dos narcóticos.

No século V antes de Cristo, o historiador grego Heródoto descreveu moradores das estepes do Cáspio que estavam reunidos em uma pequena tenda, onde queimavam plantas em um recipiente com pedras quentes.

Outros exemplos são a substância mítica "soma", mencionada em antigos textos hindus, bem como o "haoma" do zoroastrismo.

"Espero que tenhamos reacendido o interesse por estudar o uso antigo das plantas nesta parte do mundo", disse Robert Spengler.

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