"Levo toda a minha vida na mala", diz Norbert, enquanto aponta para a bagagem e as lágrimas lhe correm pelo rosto. Em apenas 100 metros, ele deixará seu país para trás e chegará à sua terra prometida, Colômbia.
Norbert se irrita quando perguntado por que deixou tudo para trás, pouco antes de cruzar a ponte sobre o rio Táchira, que marca a fronteira entre Venezuela e Colômbia, em teoria fechada há três meses.
"Você não sabe o que está acontecendo aqui?", pergunta. "O que ganhamos aqui não dá para nada. Ganho 65 mil bolívares (cerca de R$ 47,00) e uma caixa de ovos (com 30 unidades) custa 30 mil bolívares (R$ 21,00) e um quilo de carne, 20 mil" (R$ 15,00), disse Norbert, que vai se encontrar com familiares em Bogotá.
Todos os dias, dezenas de venezuelanos percorrem o mesmo caminho sem retorno planejado, atravessando o limite de San Antonio del Táchira, um povoado venezuelano cujo principal atrativo é ser vizinho à Colômbia.
Segundo as Nações Unidas, desde 2015 três milhões de venezuelanos fugiram da pior crise econômica e política da história recente do país com as maiores reservas de petróleo do mundo.
As autoridades colombianas estimam que 1,3 milhão de venezuelanos estejam no país.
Em San Antonio e ao longo da fronteira com Colômbia - com cerca de 2.200 km - a hemorragia migratória é só parte do dia a dia.
No estado de Táchira é onde se concentram todos os males da Venezuela: negócios ilegais, corrupção, miséria e violência. Seus habitantes, como a oposição venezuelana e o governo colombiano, afirmam que nesta região se refugiam membros da guerrilha colombiana do Exército de Liberação Nacional (ELN).
Oficialmente, a fronteira com a Colômbia está fechada desde fevereiro por ordem do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que impediu à época a entrada da ajuda humanitária que o opositor Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino e reconhecido no cargo por 50 países, tentava levar para a Venezuela.
Mas na prática, é muito permeável.
- Trânsito garantido -
"É muito sensível", afirma Mariela (nome fictício), moradora de San Antonio. A Guarda Nacional, um corpo militarizado venezuelano, deixa "passar os idosos que vão buscar médicos na Colômbia e os estudantes também".
"Se der dois mil pesos (colombianos, cerca de R$ 2,50) para o guarda, ele libera a travessia. Ou pode ir pela trilha", uma passagem ilegal, explica Mariela.
Um pouco mais adiante, Maria arrasta um saco plástico que usa para levar seus pertences.
Desde o começo do ano, os cortes de luz se multiplicaram no país, cujos hospitais carecem de muitos remédios. Caracas, até então privilegiada, ficou às escuras durante vários dias em março e voltou a ter quedas no fornecimento mais tarde.
Táchira e estado vizinho de Zulia, também na fronteira com a Colômbia, sofrem com a escassez de combustíveis desde há uma semana.
Maduro atribui aos Estados Unidos e suas sanções um prejuízo à economia de 30 bilhões de dólares. Para a oposição, a crise e a escassez de vários bens e serviços básicos se deve à negligência e corrupção do governo.
- Ruas vazias -
Se San Antonio de Táchira está cheio de gente, o panorama é outro em Ureña, 13 km ao norte e também conectada por uma ponte com uma cidade colombiana, Cúcuta.
Ali, a crise acabou com o comércio e os restaurantes. Ruas inteiras estão vazias sem os comerciantes e os habitantes que há alguns faziam o local fervilhar.
Uma moradora, que prefere o anonimato, diz que as autoridades locais decretaram toque de recolher às 18H00 (19H00 de Brasília), segundo ela, devido aos "bandos armadas e o ELN". As autoridades locais não confirmam a informação, mas a presença de guerrilheiros na região é denunciada pelo exército colombiano, apesar de negada por Caracas.
Em Ureña, o único movimento que se percebe é próximo da ponte da fronteira, onde pequenos grupos de pessoas vão e vem entre os dois países.
Lisa (nome fictício) chega trazendo leite do lado colombiano, com sua filha de três anos e meio.
"Tenho medo de dar a ela leite venezuelano para ela", conta. "Não há luz e não há refrigeração, o que estraga o leite, mas continuam a vendê-lo assim mesmo", lamenta.
.