Jornal Estado de Minas

Pesquisador fala dos desafios de fazer ciência na Amazônia com corte de recursos

Em 2004, o ecólogo carioca Emiliano Ramalho, de 40 anos, começou a trabalhar no Instituto Mamirauá de Desenvolvimento Sustentável, que administra a reserva de mesmo nome, a 500 km de Manaus, estudando a onça-pintada (Panthera onca).

Hoje, como diretor técnico-científico do instituto, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) que completou 20 anos em abril, ele falou à AFP sobre a importância da Amazônia, o modelo da reserva sustentável Mamirauá e a redução de investimentos federais em ciência e tecnologia.

Pergunta: Em abril, o governo federal anunciou um corte de mais de 42% nas despesas de investimento do MCTIC, principal financiador do instituto. Embora vocês tenham outros financiadores, como o Fundo Amazônia (BNDES), o governo do Amazonas e a Gordon and Betty Moore Foundation, (do cofundador da Intel, Gordon E. Moore, e da esposa, Betty), como o senhor vê essa redução de recursos na área?

Resposta: Eu vejo como muito grave o desmerecimento de conquistas científicas. Essa negação de dados científicos, de um método que é consolidado no mundo todo, é grave porque a gente sabe que a metodologia científica é usada porque permite fazer inferências nos dados que você está levantando com a maior possibilidade de ter certeza. Você começa a criar uma cultura de descrédito na ciência, enquanto a gente sabe dos avanços que tivemos na sociedade baseados em conhecimento científico. Estamos vendo instituições parando suas atividades. Hoje, as pesquisas no Instituto Mamirauá, nossa atividade-fim, são realizadas à base de muito esforço de captação externa. Espero que isso seja revertido.

Pergunta: Quais os riscos da falta de investimento em ciência para o Brasil, o país com a maior biodiversidade do planeta?

Resposta: Do ponto de vista de conservação, é muito grave.

A Amazônia tem uma importância fundamental no funcionamento do planeta como um todo. A chuva para molhar as plantações no sul do Brasil é possibilitada por uma cadeia de processos naturais proporcionada pela Amazônia. Como é uma coisa difícil de visualizar para a maioria das pessoas, o discurso contrário a isso, mais imediatista, é mais próximo. A gente compreende que isso aconteça. Fazer uma equiparação do que está acontecendo só com muita educação. Também temos um problema de falta de investimento em educação no país. Acho que a única coisa que vai salvar a gente, salvar a Amazônia, é o investimento em educação de base, forte e de qualidade.
Espero que dê tempo.

Pergunta: O senhor é otimista?

Resposta: Tento ser. Mesmo com todas as crises políticas, as mudanças de direção política no Brasil, conseguimos preservar 80% da Amazônia. Acho que ainda dá tempo. O problema mais grave é que destruir um lugar como a Amazônia a gente faz assim (em um estalar de dedos) e talvez não consiga reconstruir. Modelos como Mamirauá mostram que é possível usar a floresta para ela trazer benefícios, desenvolvimento econômico, educação, melhorar aspectos do país inteiro. É possível fazer. Só que a gente tem que mudar um pouco a concepção de como fazer. Não dá para a gente ficar enviando matéria-prima para outros lugares.

A gente tem que agregar valor ao que está tirando da floresta.

Pergunta: Como é a relação entre os pesquisadores do instituto e as comunidades?

Resposta: O processo é como se fosse um relacionamento. Tem altos e baixos. É algo que tem que ser construído. No caso de Mamirauá, o trabalho que foi feito desde o início de conscientização, de informação das pessoas, foi extremamente importante. Isso fez com que a relação do instituto com as comunidades hoje seja muito boa, de muito respeito. Mamirauá já nasceu com a consciência (da importância dos saberes tradicionais). Isso foi chave na criação da reserva e do instituto. Todo mundo que entra aqui já tem essa consciência do valor do conhecimento tradicional. Os pesquisadores chegam querendo compartilhar os saberes, querendo essa troca, e aprendendo cada vez mais com as comunidades. E eles aprendem com a gente.

O conhecimento que eles têm, tradicional, empírico, é riquíssimo. São séculos de conhecimento passados adiante pelos pais, avós.

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