Se pudesse, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, deletaria o dia 17 de março de 2018. Foi naquele sábado que uma reportagem conjunta dos jornais The Observer e The New York Times jogou luzes sobre a consultoria política Cambridge Analytica, que usou indevidamente dados de 87 milhões de usuários da rede social para campanhas como a de Donald Trump à presidência dos EUA em 2016. O escândalo abriu portas para o Facebook sangrar na pior crise de sua existência, mas parece não ter sido suficiente para transformar a empresa até aqui.
Para analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, pouco importa o plano anunciado recentemente por Zuckerberg, dizendo que o futuro da empresa está em mensagens criptografadas. Segundo eles, a empresa segue adiante sem resolver os problemas escancarados pelo caso Cambridge Analytica. São vários: de exploração comercial de informações pessoais à quebra de privacidade, passando por influência políticas, notícias falsas e barreiras de seguranças frágeis.
Não foi só uma crise de imagem própria: o Facebook pôs todo o setor tecnológico em xeque.
Aprendizado
Após o escândalo, instalou-se uma lupa de reguladores e críticos sobre as gigantes de tecnologia. Temendo ser "asfixiada" pela regulação, a empresa tomou medidas para transmitir a imagem de que aprendeu a lição. Mudou políticas de privacidade, simplificou configurações e tentou implementar uma mistura de inteligência artificial com aumento na equipe de moderadores humanos para aumentar a segurança na plataforma.
Com a preocupação, aumentou gastos e reduziu suas projeções de ganhos. Ao fazê-lo, porém, perdeu 20% de seu valor de mercado, na maior queda diária da história de Wall Street.
Se na matemática o resultado pode não ser o mesmo, no aspecto moral o último ano do Facebook parece um jogo de soma-zero. "Não vi nenhuma mudança genuína", diz David Kirkpatrick, autor do livro O Efeito Facebook. Para Bart Willemsen, diretor da consultoria Gartner, a explicação é simples: "a única coisa que pode mudar a posição do Facebook e prevenir episódios como os do passado é modificar o modelo de negócios", diz. "Hoje há um conflito: quando há impacto positivo para anunciantes, há prejuízo para a privacidade dos usuários - e vice-versa."
Desvio de rota
Há duas semanas, algo parece ter mudado o rumo do Facebook: a carta, em tom de manifesto, na qual Zuckerberg delineia que o futuro do Facebook está em mensagens criptografadas, integrando o WhatsApp, o Instagram e o Facebook Messenger em um só sistema. Supostamente, haverá mais privacidade para os usuários, mas, para os especialistas, é "um plano para inglês ver."
"É um tipo diferente de privacidade", diz Kirkpatrick. "A privacidade que preocupa as pessoas é que seus dados não serão protegidos, não a das mensagens".
Isso porque, ao serem criptografadas, as mensagens têm seu conteúdo intacto. Porém, seguem gerando informações úteis - os chamados metadados, que identificam os usuários, onde estão e até o horário da troca de mensagens. São dados que o WhatsApp pode ceder a investigações policiais - para Willemsen, do Gartner, também podem ser oferecidas a anunciantes.
Em uma superplataforma de mensagens, não é difícil imaginar que um usuário passe a receber anúncios de sofás em seu celular após trocar mensagens com o perfil de uma loja de móveis no Instagram - mesmo que a rede não saiba o que foi conversado. "A privacidade não diz respeito só ao conteúdo da mensagem, mas sobre qualquer informação dos indivíduos. É complexo", diz o analista do Gartner..