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Estado de Minas

A vida entre barricadas e balas na Nicarágua


postado em 25/06/2018 21:36

Em uma cadeira de rodas, Aristina contorna as barricadas para chegar à igreja; a algumas quadras, diante do cemitério onde três pessoas baleadas são enterradas, Denis vende seu queijo artesanal: os nicaraguenses tentam de tudo para seguir com sua vida em meio ao caos e o medo.

Enormes trincheiras de pedras arrancadas da rua bloqueiam vias em cidades e povoados como protesto contra o governo de Daniel Ortega e proteção contra a polícia de choque e parapoliciais que andam fortemente armados.

Aos 78 anos, Aristina Cerdas não permite que isso a detenha, e seu filho a leve à igreja de um humilde bairro da rebelde e trabalhadora cidade de Masaya, a mais reprimida nos protestos que deixam mais de 210 mortos em dois meses.

"Não tenho medo de sair: na igreja é onde me fortaleço. Temos que rezar muito porque a situação tem estado bastante complicada", diz a idosa à AFP, enquanto seu filho empurra a cadeira. Vai com pressa por medo dos tiros.

Esta cidade localizada a 30 quilômetros de Manágua, de 100.000 habitantes, em sua maioria pequenos agricultores e artesãos, parece uma zona de guerra, entre escombros e trincheiras.

Muitas mercearias e outros estabelecimentos atendem seus clientes de portas fechadas, mas outros se arriscam mesmo que ao longe escutem um tiro ou a explosão de um morteiro artesanal.

- 'Se vão me matar, será trabalhando' -

Agitando um mata-moscas sobre a mesa com pedaços de queijo fresco, Denis López e sua esposa Johanna contam à AFP que se arriscam a continuar em uma esquina porque precisam dar comida aos seus três filhos pequenos.

"Temos medo de que nos matem, mas se não vendermos não comemos. Por conta dos tiros não podemos sair de nossas casas e, se o fizermos, é para buscar o pão de cada dia para nossos filhos", diz López, ajustando uma antiga balança manual.

De seu posto, pode-se ver um grupo de pessoas que comparece ao funeral de três habitantes de Masaya que morreram por disparos no dia anterior, durante uma violenta incursão das forças policiais e de civis encapuzados e armados que tentam retomar o controle da cidade.

Quando os tiros ficam mais fortes, se escondem na mercearia da esquina, mas não podem parar de trabalhar nem deixar o produto estragar, explica Johanna. O queijo não aguenta mais de três dias sem refrigeração.

Mais longe, no parque central de Masaya, Francis Vega, de 30 anos, anda com uma carroça azul. "Eu me atrevo a sair porque tenho quatro filhos. Como as pessoas não estão saindo eu estou levando as verduras às casas. Se vão me matar, será trabalhando", diz a corajosa mulher.

- 'Não queremos mais sangue' -

As tradições neste país centro-americano marcam a rotina diária: aos domingos comem no café da manhã tamales de milho e porco; no pôr do sol as pessoas levam as cadeiras para a calçada para conversar; e quando já diminuiu o calor e ao cair da noite aparecem as "fritangas", vendas de comida frita em plena rua.

Jessica Vivas, de 36 anos, está sentada na porta de sua casa com quatro parentes. "Estamos tomando um ar, dando água aos meninos (manifestantes) e falando das tristezas porque por aqui morreu uma criança", afirma.

Sentada em uma esquina em um banco de madeira, Bertha López, de 65 anos, oferece bananas fritas fatiadas. Ao seu lado há uma enorme trincheira que impede a passagem de veículos.

"Quando começa a confusão eu entro em casa", conta Bertha. À frente de onde está, cobrindo uma barricada de pedras, é possível ler uma frase escrita em letras vermelhas sobre um tecido preto: "Ortega vende a pátria".

Um carrinho de sorvete percorre algumas ruas do centro de Masaya tocando um sininho. Perto de algumas barricadas, em outro bairro de Masaya, um grupo de meninos joga beisebol, esporte nacional. "Você é muito ruim, te acertei", brinca o lançador com o rebateador.

Em uma pequena mesa no pátio, ao lado de uma caixa de ovos e de uma cesta de cebolas, tomates e pimentas, Concepción Gaitán construiu um altar com imagens de gesso, velas e flores artificiais.

"Não podemos nem trabalhar. Peço a Jesus e à Virgem que a paz chegue. Não queremos mais sangue", afirmou a mulher de 68 anos, de chinelos e avental.

Aristina chegou pontualmente à igreja. Denis ficou mais preocupado porque os vizinhos não saem para fazer compras por medo. "Queremos que isso acabe, não podemos continuar assim. Se não morrermos por uma bala, vamos morrer de fome", lamentou.


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