A tensão atual entre EUA e Rússia é a pior desde que os dois países ficaram à beira de uma guerra nuclear na Crise dos Mísseis de 1962, diz o professor Ivan Kurilla, especialista na relação entre americanos e russos da Universidade Europeia, em São Petersburgo, na Rússia. Em sua opinião, a situação atual é mais imprevisível que o período da Guerra Fria, posterior ao conflito de 1962.
Para ele, o cenário doméstico de ambos os lados aumenta a possibilidade de agravamento do conflito, ainda que não acredite em uma guerra aberta. "Quando o presidente Trump está sob pressão das elites políticas americanas, isso o torna mais imprevisível." Putin também age com um olho no seu público interno. A seguir, trechos da entrevista concedida ao jornal
O Estado de S. Paulo
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O presidente Trump disse que as relações entre EUA e Rússia estão no pior patamar desde a Guerra Fria. O sr. concorda?
Nós não temos os blocos militares e a competição ideológica de antes. Na Guerra Fria, o mundo era dividido quase igualmente entre o bloco ocidental e o bloco oriental.
O que estamos vendo é mais imprevisível que a Guerra Fria?
Sim e essa é a pior característica da situação atual. Com certeza é mais imprevisível do que o período posterior à Crise dos Mísseis, em 1962. Depois dela, os dois países tentaram conter a agressividade mútua.
Qual é o risco de confronto entre EUA e Rússia na Síria?
O risco existe. Eu espero, como todo mundo, que não haja confronto militar real. A pior coisa que pode acontecer é o disparo de mísseis pelos Estados Unidos na Síria e sua interceptação pela Rússia. Mas não espero uma guerra aberta. Eu cresci no fim da Guerra Fria e não creio que uma guerra entre Rússia e Estados Unidos seja possível. Um grande confronto entre os dois países será nuclear e todo mundo cresceu com o temor da guerra nuclear.
Qual o impacto da personalidade de Trump sobre a imprevisibilidade atual?
Quando o presidente Trump está sob pressão das elites políticas americanas, isso o torna mais imprevisível. Parte da elite política dos EUA continua a usar a chamada interferência da Rússia nas eleições e as conexões de Trump com a Rússia para limitar sua habilidade de definir sua própria política externa. Não me refiro apenas à imprevisibilidade de Trump como pessoa, mas ao fato de que seu embate contra grande parte das elites americanas torna a política externa dos EUA muito mais imprevisível. Do lado russo, também há fatores domésticos, especialmente desde a recente reeleição do presidente Putin. Nos dois casos, questões domésticas jogam um papel muito mais importante do que o que está acontecendo na Síria. Claro que a Síria cria o pretexto para um conflito, mas a escalada foi provocada não pela Síria, mas foi provocada pela construção da imagem do inimigo, tanto nos EUA quanto na Rússia.
Se os EUA atacarem a Síria, a Rússia vai responder?
Não tenho como prever. Mas Putin repetiu, nas entrevistas que concedeu depois de sua reeleição, que ele não gosta de fazer concessões. A ideia é que qualquer concessão leva à derrota. Por isso, é difícil esperar que ele faça concessões, a menos que haja uma maneira de permitir que ele saia da situação com dignidade.
Qual o grau de preocupação dos russos com essa crise?
As pessoas estão muito preocupadas, a julgar pelo que eu vejo nas mídias sociais. Hoje é o segundo dia seguido em que a possibilidade de um confronto entre a Rússia e os EUA é o principal tópico na internet.
(Cláudia Trevisan, correspondente).