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Estado de Minas

'Irmão de alma', um amuleto na conturbada Washington de 1968


postado em 04/04/2018 17:42

Rick Lee pintou as palavras "Soul Brother" ("Irmão de alma") na floricultura de sua família em Washington em 4 de abril de 1968, quando os bairros negros pegaram fogo após o assassinato de Martin Luther King. "Talvez isso tenha nos protegido", diz, 50 anos depois.

Os primeiros distúrbios explodiram a menos de três quilômetros ao norte da Casa Branca, horas depois da morte do ícone da luta pela igualdade dos direitos civis na cidade de Memphis.

A violência matou 13 pessoas em três dias e deixou milhões de dólares em danos. Ruas inteiras foram incendiadas e muitas lojas, roubadas, antes de a calma retornar com a intervenção de 13 mil reservistas da Guarda Nacional.

Hoje, aos 75 anos, Rick deixou sua filha a cargo da "Lee's Flower Shop". Seu estabelecimento é um dos últimos na U Street, uma rua então conhecida como a "Black Broadway" por seus clubes de jazz famosos por apresentar figuras como Billie Holiday, Duke Ellington e Louis Armstrong.

"Quando anunciaram o primeiro roubo, me apressei para ir à floricultura", conta Lee à AFP, então ativista pelos direitos civis que trabalhava perto da Casa Branca. "Minha mãe estava sozinha, meu pai havia ficado preso em Boston e eu tinha que proteger minha mãe e a loja".

"Não sabíamos quem eram os ladrões, suspeitamos que eram negros enfurecidos", conta. Por isso, decidiu pintar a frase "Soul Brother" nas janelas: "para mostrar que este local pertencia a negros".

"Ficamos acordados a noite toda com uma escopeta. Estávamos prontos para qualquer eventualidade, mas felizmente não tivemos problemas", acrescenta. "Talvez isso tenha nos protegido, esperamos que tenha ajudado. Não sabemos".

"Outras propriedades de negros tinham a mesma frase e nenhum dano", diz. "A primeira noite foi difícil, havia fumaça em todas as partes, as lojas foram incendiadas e roubadas", lembra Lee. "Depois o prefeito trouxe a Guarda Nacional e a violência diminuiu".

- Ira como resposta -

A ira tinha uma explicação: o assassinato de Martin Luther King por um supremacista branco e as desigualdades raciais.

Para Lee, os distúrbios eram principalmente uma resposta à morte do pastor negro, um "campeão que arriscou sua vida para juntar" negros e brancos.

"Não permitimos que sua morte ficasse impune, fizemos algo", diz, fazendo eco do sentimento da comunidade afro-americana naquele momento.

A maioria das lojas incendiadas "pertencia a judeus e a brancos que não contratavam negros, e isso fazia parte da fúria", explica Lee. "A mentalidade era: 'não nos dão trabalho, ateamos fogo'".

Os estabelecimentos incendiados não voltaram a abrir. Os comerciantes foram embora e o bairro se afundou na pobreza, nas drogas e no crime, até a chegada do metrô no início dos anos 1990, o que supôs um espetacular processo de transformação do deteriorado espaço urbano.

"Os negros foram desalojados pelos desenvolvedores imobiliários, atraídos pela perspectiva de renovações", afirma Lee, assinalando os modernos edifícios e bares da moda que agora existem na importante artéria que a U Street se tornou.

"Agora que a maioria dos que vêm são brancos, mudou o rosto da vizinhança, que era toda negra", destacou.

"Nunca tive nada contra os brancos", diz Lee. "Meu problema é com as pessoas cheias de ódio que querem dividir o país, como o presidente (Donald) Trump".

O florista assegura estar feliz com as transformações do bairro. Mas também quer instalar "uma espécie de memorial" para que os três dias de distúrbios de 1968 não caiam no esquecimento.

"Isso seria genial", assegura.


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