Todos os dias, mais de 180 pessoas são mortas pelas bombas lançadas pelas forças russas e sírias. Segundo ativistas, são 400 mil vítimas. “Não há paz nessa terra”, lamenta o fotógrafo Ali Abojoud.
O sogro ficou incapacitado e hoje depende do genro. “Perdi todas essas pessoas em um único dia, mas não sinto ódio nem sede de vingança. Minha família é apenas uma entre dezenas de milhares que morreram pelas mãos de Al-Assad, da Rússia e de suas mentiras. Eu não peço por justiça por minha família, mas por todos os sírios. Eu peço por liberdade”, desabafou.
Abojoud se apoia na religião para explicar o destino. “Alá, nosso Deus, me emprestou os meus filhos e minhas esposas. Agora, eles retornaram para ele”, afirmou. “Eu fico com o coração sangrando e continuarei assim por toda a vida. Jamais voltarei a ser quem eu era.” Após a tragédia, ele se uniu aos rebeldes de Aleppo. Pretende ajudá-los até a vitória da “grande revolução” e crê que o triunfo está a caminho.
“Muitos vivem sob opressão, como animais.
Foi no Corão – o livro sagrado do islã – que Mohammad Omar Alloush encontrou a inspiração para fazer parte dos “Capacetes Brancos”, como ficou conhecida a Defesa Civil Síria. No verso 32 da sura 5, está escrito: “(...) Se alguém salvou uma vida, é como se salvasse a vida de toda a humanidade”. Ele revela ao Estado de Minas que, em 2014, viveu um dos momentos mais emocionantes de seu trabalho.
“Foi quando salvamos Mahmoud, uma criança de dois meses apelidada de ‘bebê milagre’. Durante 16 horas, reviramos os escombros, achando que estivesse morto. Ficamos chocados ao escutá-lo chorando e também começamos a chorar. Aquele choro não era de tristeza, mas de tanta felicidade.” Alloush participou do documentário Os capacetes brancos, vencedor do Oscar de melhor documentário.
O resgate em áreas dominadas pela oposição demanda sacrifício e improvisação. Segundo Alloush, os voluntários da Defesa Civil Síria precisam fabricar as próprias ferramentas e não dispõem de carros ou ambulâncias. “Trabalhamos por dias e noites apenas para tirar cadáveres dos escombros.”
CONFLITO COMPLEXO
Diretor do Centro para Pesquisa sobre o Mundo Árabe, em Maniz (Alemanha), Guenter Meyer explica à reportagem que o conflito na Síria é muito mais do que uma guerra civil. “Trata-se de uma guerra por procuração, com poderosos atores políticos e militares em nível global, regional e nacional. Esses atores perseguem objetivos e interesses altamente conflitantes. Devido a tais circunstâncias, é extremamente difícil para as partes envolvidas concordarem com compromissos, o que seria precondição para a paz na Síria”, observa. De acordo com ele, três conflitos moldam a guerra: a rivalidade e a hostilidade entre líderes do islã xiita e sunita, representados pelo Irã e pela Arábia Saudita; a violação, por parte de Israel, do direito internacional na Palestina ocupada e nas Colinas de Golã; o embate entre turcos e curdos. “Há, ainda, interesses contraditórios entre o apoio da Rússia a Damasco e o governo dos Estados Unidos, que pretende derrubar Al-Assad.”
O especialista adverte que, nos últimos quatro anos, ficou claro que a alternativa ao regime de Al-Assad poderia ser um governo de extremistas, como o Estado Islâmico ou a Frente Al-Nusra. “Eles são os grupos mais poderosos que combatem Al-Assad. Apenas esses extremistas seriam capazes de preencher um vácuo de poder em Damasco”, acredita Meyer. Para o alemão, desde a intervenção russa, em setembro de 2015, e ante o apoio militar do Irã e da milícia xiita libanesa Hezbollah em solo, Al-Assad recuperou terreno. “O fim do regime não é mais uma opção realista”, adverte, ao explicar que o poder das milícias anti-Assad está se encolhendo dramaticamente..