Guerra civil na Síria se transformou em massacre às vésperas de entrar no sétimo ano

Conflito acumula histórias de sofrimento, desespero e esperança. Especialista explica dificuldades de se alcançar a paz

Rodrigo Craveiro
Em Aleppo, cenário da destruição é uma das marcas gerada pelo conflito - Foto: Mohammed Edel/Divulgação
As histórias de dor, de sofrimento, de luto e de esperança se confundem, desde 15 de março de 2011, quando os sírios convocaram o “Dia de Fúria”, quando pediram a deposição do presidente Bashar Al-Assad. Ali Abojoud, de 37 anos, amarga a solidão, imposta pela bombardeio que dizimou toda a sua família. Mohammad Omar Alloush, de 40, interrompeu a própria vida para salvar milhares de outras. Ele e companheiros “capacetes brancos” resgataram dos escombros 78 mil civis. O repórter Mohammed Alshagel, de 25, foi expulso do Leste de Aleppo; hoje, ele e a mulher sonham com dias felizes. A três dias de completar seis anos da guerra civil – ou a “grande revolução” –, a Síria parece distante da paz, convulsionada por opositores armados, terroristas islâmicos e forças internacionais.

Todos os dias, mais de 180 pessoas são mortas pelas bombas lançadas pelas forças russas e sírias. Segundo ativistas, são 400 mil vítimas. “Não há paz nessa terra”, lamenta o fotógrafo Ali Abojoud.
“Às 3h de 26 de agosto passado, um helicóptero despejou bombas sobre a minha casa, na Cidade Velha de Aleppo, matando toda a minha família”, contou à reportagem. As duas mulheres e os quatro filhos – Aisha, 12 anos; Mohammed, 11; Albeida, 9; e Athra, 7 – morreram.

O sogro ficou incapacitado e hoje depende do genro. “Perdi todas essas pessoas em um único dia, mas não sinto ódio nem sede de vingança. Minha família é apenas uma entre dezenas de milhares que morreram pelas mãos de Al-Assad, da Rússia e de suas mentiras. Eu não peço por justiça por minha família, mas por todos os sírios. Eu peço por liberdade”, desabafou.

Abojoud se apoia na religião para explicar o destino. “Alá, nosso Deus, me emprestou os meus filhos e minhas esposas. Agora, eles retornaram para ele”, afirmou. “Eu fico com o coração sangrando e continuarei assim por toda a vida. Jamais voltarei a ser quem eu era.” Após a tragédia, ele se uniu aos rebeldes de Aleppo. Pretende ajudá-los até a vitória da “grande revolução” e crê que o triunfo está a caminho.

“Muitos vivem sob opressão, como animais.
Agora, entendem que estamos plantando a liberdade, uma nova esperança e a democracia para as próximas gerações.” Mohammed Alshagel se lembra do início da revolução como “maravilhoso”. “Quase todos os sírios apoiavam a oposição e cantavam por liberdade. Mas o regime começou a bombardear o país e a matar. Com todo o derramamento de sangue, a Síria virou um inferno”, comenta, ao culpar Al-Assad, o Estado Islâmico e a Frente Al-Nusra, ligada à rede Al-Qaeda.

Foi no Corão – o livro sagrado do islã – que Mohammad Omar Alloush encontrou a inspiração para fazer parte dos “Capacetes Brancos”, como ficou conhecida a Defesa Civil Síria. No verso 32 da sura 5, está escrito: “(...) Se alguém salvou uma vida, é como se salvasse a vida de toda a humanidade”. Ele revela ao Estado de Minas que, em 2014, viveu um dos momentos mais emocionantes de seu trabalho.

“Foi quando salvamos Mahmoud, uma criança de dois meses apelidada de ‘bebê milagre’. Durante 16 horas, reviramos os escombros, achando que estivesse morto. Ficamos chocados ao escutá-lo chorando e também começamos a chorar. Aquele choro não era de tristeza, mas de tanta felicidade.” Alloush participou do documentário Os capacetes brancos, vencedor do Oscar de melhor documentário.
O grupo é cotado como um dos favoritos ao Prêmio Nobel da Paz. Desde o início da guerra civil, 150 capacetes brancos perderam a vida.

O resgate em áreas dominadas pela oposição demanda sacrifício e improvisação. Segundo Alloush, os voluntários da Defesa Civil Síria precisam fabricar as próprias ferramentas e não dispõem de carros ou ambulâncias. “Trabalhamos por dias e noites apenas para tirar cadáveres dos escombros.”

CONFLITO COMPLEXO


Diretor do Centro para Pesquisa sobre o Mundo Árabe, em Maniz (Alemanha), Guenter Meyer explica à reportagem que o conflito na Síria é muito mais do que uma guerra civil. “Trata-se de uma guerra por procuração, com poderosos atores políticos e militares em nível global, regional e nacional. Esses atores perseguem objetivos e interesses altamente conflitantes. Devido a tais circunstâncias, é extremamente difícil para as partes envolvidas concordarem com compromissos, o que seria precondição para a paz na Síria”, observa. De acordo com ele, três conflitos moldam a guerra: a rivalidade e a hostilidade entre líderes do islã xiita e sunita, representados pelo Irã e pela Arábia Saudita; a violação, por parte de Israel, do direito internacional na Palestina ocupada e nas Colinas de Golã; o embate entre turcos e curdos. “Há, ainda, interesses contraditórios entre o apoio da Rússia a Damasco e o governo dos Estados Unidos, que pretende derrubar Al-Assad.”

O especialista adverte que, nos últimos quatro anos, ficou claro que a alternativa ao regime de Al-Assad poderia ser um governo de extremistas, como o Estado Islâmico ou a Frente Al-Nusra. “Eles são os grupos mais poderosos que combatem Al-Assad. Apenas esses extremistas seriam capazes de preencher um vácuo de poder em Damasco”, acredita Meyer. Para o alemão, desde a intervenção russa, em setembro de 2015, e ante o apoio militar do Irã e da milícia xiita libanesa Hezbollah em solo, Al-Assad recuperou terreno. “O fim do regime não é mais uma opção realista”, adverte, ao explicar que o poder das milícias anti-Assad está se encolhendo dramaticamente..